Elucubrações de um idoso

Já fomos jovens. Deixamos pra trás a doce infância.

Perderam-se os anos quando ainda éramos meninos. Pra onde foram nossos vinte anos?

Já agora, tempos corridos, uma vez envelhecidos, penso termos o direito de ainda pensar.

Passamos por tantas coisas. Trabalhamos tanto. Estudamos, namoramos, nos casamos, tivemos filhos que nos presentearam com netos. Agora só nos resta a espera angustiante da partida. Tomara que ela chegue sem muito sofrimento. Que a morte sobrevenha de repente. Durante o sono. Pois ainda temos o direito de sonhar.

Muitos consideram o velho um sapato gasto pelo tempo. Que ele deve ser encostado a um canto qualquer.

Nem nos dão o direito de sonhar. Muito menos de amar. Como se o amor fosse privilégio dos mais jovens. Que se esquecem de que um dia ficarão velhos. O tempo passa com a celeridade de uma locomotiva desgovernada.

Neste dia último de março, depois de uma noite chuvosa ao extremo, mal dormi a noite. Escutei do lado de fora da janela a chuva cair em grossos pingos. Acordei num ímpeto. E aqui estou a lucubrar sobre a velhice.

Bem sei que o idoso goza de prerrogativas. Tem o direito de entrar na fila em primeiro lugar. Desfruta de uma aposentadoria merecida. Como se aqueles caraminguados fossem suficientes para o seu sustento.

O velho deixou atrás um passado produtivo. Foram anos e anos de labuta constante. Agora, no limiar da morte, só lhe resta descansar quando pode. Muitos ainda são o sustentáculo da família.

Por favor, peço aos mais jovens.

Nunca se esqueçam do que fizemos. Fomos nós que os embalamos durante as noites escuras. Foram seus pais, que um dia foram jovens, agora são avós, que perderam noites de sono ouvindo seus choros por causa de uma dor de barriga.

Agora, que estamos velhos, respeitem nossos cabelos brancos. Ainda temos tirocínio suficiente para fazer o que desejamos. Não nos impeçam de sair quando o desejo ainda se manifesta dentro da gente. Somos capazes de fazer tanta coisa. Nem imaginam quanto.

Um dia seremos alijados da sociedade. Que só privilegia os mais jovens.

Mas, fica aqui o meu desabafo. Nunca soneguem de nós a nossa liberdade de ir e vir. Enquanto pudermos.

Um dia estaremos noutro lugar. Que este dia tarde enquanto durar.

Mas, enquanto formos capazes de sonhar, nunca nos feche os olhos.

Não me esqueço nunca do meu pai. Ele, nos derradeiros anos de sua vida, tentava sair às ruas contra a nossa vontade. Tentávamos impedir. E ele, injuriado, escondia sua amargura naqueles olhos tristonhos. Um dia ele se foi. E quanta saudade deixou.

Já hoje, idoso feito, sonhos ainda não desfeitos, penso que tenho ainda muitos anos pela frente.

Durante o tempo que me resta de vida, por favor, imploro. Aos meus filhos, netos, descendentes diretos, não me impeçam de fazer o que aprecio. Escrever, sonhar, caminhar, sair às ruas mesmo nestes tempos de isolamento.

Não sei quanto tempo me resta. Tomara sejam tantos quantos ainda desejo.

Por favor: respeitem o meu passado. E não tornem o meu presente um tormento. Ainda tenho muito a dar. E a receber.

A partir de agora, e pra sempre, que eu possa viver em sintonia com a amizade e o amor que sinto por todos vocês.

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