Da clausura ao confinamento

Tempos difíceis estes. Ruas vazias, comércio as moscas, pessoas ao desalento.

Dizem que o isolamento social se torna necessário. Para mim quase nada mudou. Continuo alheio às recomendações. Embora redobrando a higiene, trocando os sapatos ao entrar em casa, não deixo de sair às ruas. Apesar da minha idade avançada.

Num dia lindo como o de hoje, começo de outono, seis de abril, como se manter confinado entre quatro paredes?

Estamos no abrir das luzes da semana santa.

No entanto, para aquela cadelinha, nomeada por mim de Laika Rosa, uma linda Border Collie a mim doada por um hábito bastante comum naquela raça, o de comer galinhas, foi levado a um lugar paradisíaco.

Deixá-la solta naquele espaço de muito verde logo provou-se uma temeridade. Ela não se mantinha quieta nas cercanias daquela casa beira lago. Sumia de vista. Diziam, nos arrabaldes, que ela fugia assim que era deixada solta. E galinhas desapareciam dos galinheiros. Imputando-lhe uma pena que por certo não era só dela.

Para controlar os queixumes decidi deixá-la num canil separada do seu macho.

Pirunguinha, outro Border Collie da mesma pelagem preta e branca, sentia-se solitário sem a sua amada. Vivia a atormentar com seus latidos perto da cerca divisória que a mantinha isolada.

Assim passaram-se anos. Um dia Laika Rosa apareceu embarrigada. Não poderia ser outro o pai dos seus filhotes.

Nasceram daquele consórcio alguns cachorrinhos. Um dele ainda vive noutro lugar distante.

Já hoje, tempos depois, naquela rocinha que tanto amo, vive da mesma forma confinado outro amigo de quatro patas.

Del Rey, um pastor alemão de capa preta, passa dias isolado num canil defronte à represa do Funil.

Quando o soltam ele escapa. Percebo, quando ali estou, que lhe falta companhia.

Foi neste final de semana que tomei uma súbita decisão. Ao chegar a minha casa deparei-me com a ausência do meu fiel companheiro. Procuramos por toda parte. Foi quando, pelo celular, uma voz amiga avisou-me que encontraram o solitário Del Rey.

Não tive dúvidas. Fui onde morava a cadelinha e a trouxe, no banco de trás da caminhonetinha, a morar juntinho ao outro amigo.

Depois de uma boa limpeza no canil juntamos os dois. Foi amor à primeira lambida.

Espero, de alma lavada, nesta atitude repensada, que, a partir de hoje, ambos sejam felizes juntos.

Laika Rosa vivia enclausurada.  Del Rey numa solidão de dar pena.

Tenho a esperança que tempos depois que meus dois amigos possam viver em liberdade.

Correndo juntos pelas cercanias. Deixando um passado cerceado de liberdade. Coisa mais preciosa que reconheço.

Quando para ali voltar, espero que seja breve, vou poder acompanhar os dois.

Da clausura ao confinamento nunca mais. Só por alguns meses apenas. Enquanto esta pandemia continuar.

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