“Devo, não nego. Pago quando quiser” …

Não restam dúvidas que a inadimplência anda em alta nestes tempos atribulados.

Agora se vende a sogra na tentativa inglória de tirar lucro daquela fruto da sua desgraça.

Nunca a renda do brasileiro esteve pelos cotovelos da falta de emprego. Qualquer um pode afiançar meu dito.

Em contrapartida ao preço dos alimentos lamenta-se a baixa dos salários. Isso quando o pobre assalariado ainda pode se vangloriar de estar empregado.

Filas imensas se formam em busca de trabalho. Milhares e miríades de jovens, velhos, aposentados, procuram nalgum lugar onde se colocar. Mas pasmem! A desculpa esfarrapada é sempre a mesma: “falta-lhes capacitação. Têm de estudar mais. Não têm a experiência exigida para ocupar a vaga que poderia pagar um salário mínimo. Deixem seu currículo. Quem sabe um dia a oportunidade vai lhes bater às suas portas. Tenham paciência. Aguardem a sua vez. Um dia, quem sabe quando? Só Deus pode vaticinar”.

E o pobre infeliz espera, aguarda, e se desespera. Nunca é chegada a hora de o tal emprego conquistar.

Muitos, sentindo-se um traste inútil, acabam abrindo o próprio negócio. No entanto os impostos são tao altos que acaba impossibilitando-os de ter sucesso. E fracassam nos seus intentos, engrossando ainda mais a fila dos inadimplentes.

Tenho um amigo, de nome Osvaldo, graduado em filosofia, amante dessa arte, que conhecia de cor e salteado as obras de Aristóteles, não fazia feio com as de Platão, sobre Nietzsche era versado, Descartes não descartava, sobre Hegel dava lições, Kant decantava versos, Sócrates sabia que não era jogador de futebol, o qual, um dia, depois de várias tentativas de se dar bem na vida, acabou desistindo da nobre profissão. Lecionar filosofia infelizmente não lhe cabia no orçamento. Percebia, ao final do mês, que o salário de professor era insuficiente para suprir a despensa. Por sorte não era casado. Mas um filho tido sem previsão era a única despesa que lhe subia aos costados.

Osvaldo perseverava. Ora tentava um emprego que lhe pagasse mais que um salário de fome. Ora abria um negocinho que lhe propiciasse algo mais do que isso.

Há um mês atrás, se bem que já se passou quase um ano, Osvaldo, animado, resolveu tentar a sorte abrindo um verdurão. Mal sabia ele a diferença entre um quiabo um pé de couve. Sabia que a cenoura era amarela. Que a alface dava em qualquer terra. Desde que se tenham certos cuidados.

Osvaldo resolveu alugar um lote baldio. Ao preço de quase meio salário. Cercou aquele palmo de terra ruim com uma cerquinha feita de bambu.

Não sabia que tinha de capinar. Nunca foi um enxadachim. E o mato crescia a olhos amauróticos.

Três meses foram encobertos por uma chuva de encher baldes até a boca. E o mato foi crescendo, as verduras dando bicho, não bastante tantos problemas o infeliz pediu empréstimo ao banco. Na tentativa inglória de o negocio andar pra frente.

Vencida a primeira nota promissória, sob a promessa de pagá-la ao fim do mês, com as contas no vermelho, devendo até a dentadura, não lhe restou outra alternativa senão alongar a prestação.

Foi numa sexta-feira, treze do mês passado, Osvaldo, na obrigação de tentar negociar com o gerente da casa bancária, reduzindo os juros, tentando amortecer a dívida, ali compareceu de joelhos até o chão.

Não conseguindo seu intento, jurando que pagaria, um dia, não se sabe quando, acabou por entregar ao gerente uma nota promissória, que prontamente não foi aceita.

Foram vãs as tentativas de negociar a quantia. E era pouquinho. Quase nadica de nada.

Naquele dia, de mal com a vida, Osvaldo chegou ao banco furibundo.

Amarrou a égua num poste de luz. Entrou pela porta giratória pelo lado errado. Não tirou senha nenhuma.

Chegou ao gerente com cara de mau.

Nem esperou que o chamassem. Com a intenção de brigar, esbofetear aquele funcionário, ao ver um segurança parrudo se aproximar, mudou de ideia.

Simplesmente disse, num tom de voz mansinho: “ devo, não nego. Pago quando quiser”.

Não sei se até hoje Osvaldo pagou a promissória. Só não sei, se ele, até no dia de hoje, deixou aquela cela escura do xilindró.

 

 

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