A Bruaca que virou flor e depois avoou

Entende-se por bruaca aqueles sacos ou malas rústicas de couro cru, usados para transportar objetos, víveres e mercadorias sobre bestas, e que se prendem, a cada lado, nas suas cangalhas, ou vão, atravessadas na traseira das selas.

No sentido pejorativo bruaca também se utiliza para designar mulher feia, grosseira, vulgar, ignorante, fofoqueira, a qual na maior parte das vezes é tratada como se fosse um reles serviçal, embora possa ter sido a mulher com quem se consorciou.

Mocreia também significa a mesma coisa. Mulheres velhas, desprovidas de formosura, as quais se usava e depois jogava fora. Coisa mal ajeitada, deselegante e chata.

Tem mulheres, a exemplo tomo a minha linda Rosa, que costuma dizer: “come a carne e rói o osso, até o final”.

Espero continuarmos até o fim. Pois a sua beleza ainda viceja como um canteiro de rosas vermelhas. Embora os espinhos de quando em vez me espetam.

Quantas bruacas existem por aí? Quantas e quantas mulheres antes formosas, perderam a formosura, rugas passarinhavam-lhe a face, os cabelos perderam o viço, a barriga, antes um tanquinho, foram adiante, depois da maternidade, tornaram-se desprovidas de encanto, mas continuam valentemente a enfrentar o cotidiano adverso, amigas, companheiras, que tomam a si todas as incumbências de um lar, se transformam em cozinheiras, lavadeiras, donas de casa, sem direito à salário ou férias prêmio, aturam as nossas fragilidades, estoicamente, e, com o passar dos anos se tornam desleixadas, não por querer, e sim por falta de tempo, já que cuidam não só de nosso lar como também da gente.

A cada dia mulheres são mortas pelo companheiro. Fêmeas, que ao invés de serem adoradas, bem amadas, são tratadas como cães vadios. Que em verdade são os melhores amigos do homem.

Mulheres consideradas bruacas deveriam se olhar no espelho. Pois a elas com certeza ele iria responder. “Não existem coisas mais importantes que vocês” .

O que seria de nós sem elas? Nem direito a nascer teríamos. E quem nos ofereceria o peito? Para matar a nossa sede e fome? Quem embalaria as nossas noites de sono? Quem iria nos oferecer carinho quando mais precisarmos?

Ainda me lembro de minha mãe. No derradeiro dia quando nos encontramos ela me disse, preocupada: “Paulinho. Será que eu vou morrer”? E ela partiu deixando uma lacuna impreenchível dentro de mim.

Um dia me contaram um causo que passo adiante.

Podem dizer que se trata de mais uma invencionice minha. E eu não digo que não.

Uma tal mulher, de fato foi bela quando jovem, de ancas largas e pernas pra que te quero, não apenas e tão somente para olhar bem como para me deliciar com seus encantos, um dia se casou.

Foi uma festa pra ninguém comentar o contrário.

O marido, partido disputado por toda a cidade, rico e abastado, não só de dinheiro, como de dotes de formosura, pagou por aquela prenda rara uma boiada inteira, e uma casa onde não faltavam cômodos, dotada de mais de dez cômodos de banho, quase trinta quartos, fora os demais que não foram mencionados.

Tiveram uma penca de filhotes. Contava-se nos dedos quase dez criancinhas lindinhas como botões de rosa antes de virarem flores.

Mas o tempo foi passando, caminhando pachorrentamente, indo de mansinho até chegar a tal idade.

A tal mulher acabou se descuidando de sua pessoa antes linda como uma égua no cio.

Acabou embarrigando. A cinturinha, antes de uma viola cantadeira, perdeu o prumo.

Os cabelos embranqueceram. A pele tornou-se macilenta. A boca não mais tinha a tintura de uma rosa carmim.

O que era belo foi-se, com o tempo. Dela só restava os traços de uma beleza impura.

Ao final de alguns muitos anos o marido passou a tratá-la como um apetrecho em desuso.

Passava as noites numa corruptela à cata de mulheres de vida fácil. E a vida para aquela senhora passou a ser difícil de suportar.

Maus tratos se amontoavam. E passaram a dormir em quartos separados. Cada um no seu lado.

A pobre era tratada como um reles serviçal. Sem direito a nada a não ser compartir daquela casa enorme. Sem empregada. Sendo ela a responsável por tudo. Menos de ser considerada a rainha do lar como todas as esposas deveriam.

Com o tempo aquela mulher de tantos encantos que o tempo levou, acabou se rebelando.

Numa visita ao espelho resolveu se tratar como deveria. A primeira providência foi procurar a ajuda de um médico. O qual a ela prescreveu uma dieta para emagrecer.

E ela perdeu metade de si mesma. Passou a frequentar uma academia. As antigas formas foram voltando. Cadinho a cadinho.

E ela decidiu que ainda era tempo. A autoestima retornou.  Era agora ou nunca.

A dona, não vou declinar-lhe o nome para não causar tanto, passou a frequentar as redes sociais. A procura de si mesma. E de alguém que a quisesse como ela era.

Numa tarde de sol, era outono em seu final, ela acabou por marcar um encontro com uma pessoa que descobriu na internet.

Foi amor não mais virtual. E ele se transformou numa realidade inconteste.

A partir daquele encontro a ex-bruaca deu um ponto final na sua vidinha insossa. Despediu-se do marido sem um tchau. Descobriu que antes avoar para outro jardim em busca de outro destino. A permanecer infeliz pelo resto da vida.

Deixe uma resposta