O menino que ouvia estrelas

Ontem nem vi uma estrela iluminar o céu escuro. Nem mesmo na lua pousei meus olhos.

Estava muito cansado depois de um dia atribulado. Não pelo trabalho como médico urologista.

Pois minha agenda de consultas e cirurgias têm me dado um certo descanso.

Acontece que meu outro lado, de escritor, este sim…

Está pelas bocas de crônicas e meu romance Rakel já passou em muito da sua metade.

E como ele se mostra intrigante e repleto de ação, sexo, mistério. Minha querida secretária enfermeira Zaninha, que acompanha o seu desenrolar, não vê a hora de eu colocar o ponto final.

O quarteto de protagonistas principais: Rakel, Ângela a advogada que tenta há anos colocar o vilão Eusébio entre grades, o gaúcho Fritz, caminhoneiro nascido e criado na distante Laçador, enamorado de Rakel, e a bela Manuela, ex amante depois abusada pelo cruel           Eusébio, do qual se livrou das garras graças à intervenção da mesma Ângela, pela qual se apaixonou., E, mais adiante, depois do meio do romance foram inclusos os meninos Yanomamis Tom Zé e seu amiguinho que um dia saiu  do armário, e gaysou (mais um neologismo Rodarteano), por mim chamado Yansé. Atrama escorre na linda Amazônia. Inserindo nos cenários a ilha de Marajó, a Guiana Francesa, e agora, hoje, nesta manhã feericamente iluminada pela luz do sol, todos eles se encontram no mar caribenho, numa linda ilhota que existe, segundo me confidenciou o sábio Google, de nome Crasqui.

Ouvir estrelas deve ser difícil. Uma missão quase impossível.

Estrelas brilham. Mas não cantam e sim encantam com sua luminosidade e brilho que pisca como pirilampos em noites escuras passadas na roça.

Quem ainda, como eu, não mais menino, já que deixei a meninice virar a página do meu romance que se chama vida, real e não fictícia, tentando dormir num velho colchão de palha numa cama macia de um quartinho acanhado na rocinha de umas tias avós que já se tornaram mais umas estrelinhas no céu.

Saiu a caçar vagalumes. E não foi difícil encontrar aqueles grandões que levam a lanterna no rabo. Que, como um besouro encouraçado. Com os costados duros sendo comidos pelos sapos nas noites escuras. Deixam-se apanhar com certa facilidade quando não avoam. E, a gente, meninos sapecas como meus netinhos, que não sabem como é bom passar as noites na roça. E sim dormem em seus berços gradeados sempre com as mãozinhas manejando os tais tablets a jogarem os seus joguinhos que os avós desconhecem seus personagens.

E, quando a gente encontra um casal de pirilampos, que é o outro nome dos vagalumes, no chão poeirento da estrada, e conseguimos apanhá-los com dedos ágeis. Inserimo-los numa caixinha de fósforo vazia. Deixamos uma partezinha aberta o suficiente para eles respirarem, mas não avoarem pelos ares.

E no momento em que chegamos à varanda da casa da roça. A minha se chama casa amarelazul. Onde mora hoje meu amigo Roberto da dona Lúcia. Abrimos a parte de baixo da caixinha de fosforo e deixamos o casal de vagalumes sair. E, um deles piscou em minha direção, apagou a luz do seu rabinho, e me disse: “obrigado doutor. Pelo cuidado que o senhor teve comigo e minha amada vagaluma. Ela está prestes a me presentear com um filhinho. Como o senhor se chama? Vou dar a ele seu nome. Por obséquio suplico-lhe”.

Soneguei ao tal vagalume macho meu nome. É que não acho oportuno dar meu nome a um vagalumezinho qualquer. Imagine se elezinho não vai saber escrever meu nome. E não vai ser escritor. Que frustação a minha há de ser.

Mas, voltando ao título desta crônica de hoje cedo- “o menino que ouvia estrelas”, dezesseis do mês de março, parece que as águas de março serenaram.

O causo que conto tal e qual me contaram, se não foi verdade em verdade se trata de mais um Fake News; parece mais não é.

Trata-se de um menininho nascido e espichadinho numa rocinha, não a minha.  A qual fica nas bandas de Ijaci. Pertim da represa do Funil.

Seu nomezinho é Pedrinho.

Garotinho sonhador que, desde os quatro aninhos incompletos, ensinado pela mãe professora de uma escolinha rural que hoje escombrou-se por ter se mudado pra cidade.

Acontece que o menino Pedrinho, desde que aprendeu a ler e a escrever, fazia versinhos inspiradinhos todos eles tendo como tema as estrelas.

E o nosso garoto, que como eu detestava os Rollingstones, por falta de estudos, pois na sua rocinha não mais havia escolinha, e ficava quase impossível ir à cidade próxima. Já que, na carroceria sacolejante do caminhão leiteiro iam de carona mais de cinquenta caroneiros.

Ao menino Pedrinho não sobrava senão um caderninho pautado. Herança de uma tia torta que se enrabichou pelo retireiro do vizinho e com ele sumiu na braquiária alta.

E nele escrevia seus versinhos como disse acima todos inspirados nas estrelas. Um deles cantava assim: “entre uma estrela e um vagalume o sol se põe”. “Olho a noite pela vidraça. Um beijo que passa acende uma estrela”. “Estrela cadente ponto de exclamação quente”. “A estrela que eu escolhi não cumpriu com meu pedido e hoje não a encontrei pois caiu no mar e se apagou”.

E incontáveis outros versinhos que dariam perfeitamente para publicar mais de não sei quantos livros.

Acontece que, numa noite de céu estrelado, o menino Pedrinho, sonolento na varanda de sua casinha na roça, por ter perdido, não a inspiração e sim o sono, ao ver lá no alto uma estrelinha miúda, elazinha pra ele cantou: “dorme Pedrinho. Senão a Cuca vai te pegar. Papai foi na roça mamãe no cafezal. Bicho Papão sai de cima do telhado. Deixa o Pedrinho dormir sossegado”.

E não é que ele dormiu…

 

 

 

 

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