Não era bem isso que queria

Voltando os olhos alguns anos atrás, daquele ano distante de um mil novecentos e cinquenta e cinco. Cinco anos antes vi o mundo pela primeira vez na Boa Esperança de antão.

Pra essa cidade vim morar. Naquela casa que hoje não existe mais a não ser nas minhas doces recordações.

Naqueles tempos idos não sabia o que queria. Desejava somente crescer, ver meus pais felizes ao meu lado. Como percebo naquela velha fotografia em preto e branco. Eu nos ombros do meu pai e minha querida mãezinha do seu lado. Todos orgulhosos de mostrar seu primeiro rebendo ao mundo que nos rodeia. Demonstrando um carinho imenso a mim mesmo. Menino lourinho e de cabelos cacheados. Sorridente e não carente de mostrar a todos como eu era feliz e ingênuo. Por desconhecer a realidade dura e cruel que nos dias de hoje assola essa nosso mundo. Cada vez mais difícil de viver e conviver.

Mal sabia eu o que o futuro me reservaria. Queria simplesmente brincar brincadeirinhas distintas dos meus netinhos que hoje não vivem sem os tablets e a internet. Os meus folguedos eram outros. Brincava de jogar bolinhas de gude. De jogar tapão colecionando figurinhas de jogadores de futebol. De brincar de médico com as menininhas de antão. Sem a malicia que hoje corrói as mentes obscuras da juventude de agora.

Não sabia sequer imaginar o que seria de mim num futuro distante. Minha intenção era apenas estudar. Aprender lições das mestras muitas daquela escola onde aprendi as primeiras letras. Aprendi a gostar do português. Não tanto da matemática ou outras matérias como física e outras que lidassem com números.

Naqueles verdes anos ainda não sabia qual caminho seguir. Não me imaginava poeta ou escritor. O gosto pela literatura veio bem depois. O da medicina na maior idade.

Aos vinte e oito anos me casei. Mal sabendo como seria ter filhos. Essa incumbência difícil de levar adiante. Ver filhos criados e emancipados. Sem dependerem da gente.  Vivendo felizes ao nosso lado. Era bem isso que gostaria de ver. Como foi ao lado de meus pais. Naquela casa daquela rua do meu passado.

Uma vez feito médico para aqui retornei. O trabalho nunca me intimidou. Foram cinquenta e tantos anos de dedicação a arte de curar e amenizar dores. De passar noites insones tendo de retornar ao hospital. Naqueles tempos o celular não existia. Tinha sim de dormir a espera de outro dia começar. Mal sabia eu, no começo da minha carreira de médico, que ainda me sinto como nos velhos tempos. Embora em menor escala, apto a trabalhar.

Era tudo isso que gostaria de ter feito. Seguiria, se me fosse permitido, a mesma trilha que trilhei.

Seria médico se pudesse escolher de novo. Pai extremado como foram os meus. Me casaria com a mesma mulher que hoje ainda me acompanha.  Teria os mesmos três netinhos que fazem a minha alegria e me fazem de gato e sapato como me fizeram no dia de ontem.

“Vovô? Qual a senha da internet do seu apartamento? Sem ela não posso brincar no meu tablet. Por favor, se lembre dela. Se não fica difícil brincar com você”.

Ah! Se eu soubesse não iria recusar de passar a você. Não seria isso que seu avozinho gostaria de sonegar ao meu querido netinho.  Ainda bem que ele se aquietou no seu cantinho. Antes de dormir ainda disse a ele, bem baixinho em seus ouvidos, e nem sei se ele escutou: “Theo, se pudesse voltar ao passado, ao lado dos meus pais. Não iria pedir a eles a senha da internet. Pois naqueles tempos ela ainda não existia. Pediria sim, com um beijo de reconhecimento por tudo que eles fizeram pra mim. Meus queridos e saudosos pais. Vocês dois representam tudo que gostaria de ter junto a mim até nos dias de hoje. Pena que não os tenho mais”.

 

 

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