De que adianta acumular posses, bens materiais, dinheiro guardado no banco.
Se ao final de nossa vida nada pudermos levar ao outro lado. Deixaremos aqui guardados. Sob a tutela nada recomendável de parentes ou pessoas inescrupulosas. Que vão se apoderar de nossa fortuna. Sorte nossa e azar o deles se nada tivermos a deixar senão dívidas e míseros tostões num porquinho cofrinho qualquer.
Um dia partiremos. Deixamos uma lacuna impreenchível aqueles que amam de fato a gente. Mas logo seremos substituídos. Em nosso lugar outras pessoas irão assentar. A fila anda. A vida caminha. Quando morrermos lágrimas serão derramadas. Mas logo secam. E sorrisos enfeitarão as faces das mesmas pessoas que choraram a nossa despedida.
Quando partirmos a saudade será sentida. Mas logo esquecida, pois a vida continua. Lépida como o correr de uma lebre fugindo do predador. Veloz como o vento que faz varrer as folhas no outono.
Meu amigo chegado. Com quem sempre tive uma relação por demais cordial. Vizinho que um dia fomos. Tanto no condomínio onde morava quanto na roça que ainda tenho.
De nome arrevesado, meio esquisito, que soava diferente aos meus ouvidos. Meu compadre Amado Amoroso. Amado por parte de pai e Amoroso por parte de mãe. Nos seus muitos anos destilava sabedoria. Amado passava dos mais de setenta quando o conheci. E convivemos até seus quase cem.
Ele tinha sempre um sorriso no rosto. Nunca vi amuado e infeliz.
Também pudera! Oriundo de família de posses. Pai fazendeiro, poder-se-ia dizer latifundiário gigante. Mãe de família abastada. Rica na expressão exata da palavra. Mas gente simples e comedida nos gastos. Corria a boca miúda que o pai do Amado economizava até no papel higiênico. Usava folha de jornal doado pelo vizinho de então. Fazia café no mesmo coador que nunca jogava fora. E dormia sossegado numa rede velha para não desgastar a cama.
Estive com o velho Amado dois meses antes de ele morrer. Já viúvo da esposa querida. Sem descendentes a reclamarem seu espólio. Ainda mais rico do que foram seus pais. Amado simplesmentemente vivia com sua reles aposentadoria. Toda a sua fortuna repartiu, em partes desiguais. A primeira delas foi dada a Casa da Mãe Joana. A segunda ao lar dos cachorros vadios. A terceira ficou nas mãos nada bentas de um padre que se evadiu com uma linda e fogosa freira. A quarta ficou dada de bandeja ao asilo da comunidade. A ele nada restou. Nem a mocidade.
Seu Amado Amoroso estava feliz quando o visitei. Nem parecia que estava prestes a morrer.
Com a mão no seu ombro acabei dizendo a ele.
“Amigo Amado. Soube que vosmecê doou toda a sua fortuna aos outros. E era uma soma polpuda de grana. Segundo me consta a soma era bem superior a mais de milhares de dólares. E agora Amaro? Vais viver sem um tostão furado. E como vai pagar as contas? Sei ainda que tens despesas. E não são poucas. Seu plano de saúde custa caro. E os remédios? Como vais pagar a farmácia? E os seus cuidadores? A sua aposentadoria é insignificante. Talvez seja como a minha. Sei ainda que você tem cuidado de menores abandonados. E os meninos da rua que você acolhe? Com que dinheiro vai pagar as despesas que eles lhe dão”?
Amaro Amoroso ouviu tudo em silêncio. Meia hora depois emitiu sua opinião.
“Olha meu amigo. Agora nada mais me resta. Tudo que possuía doei. Pra onde vou nada levarei. Sei ainda que tenho contas a pagar aqui na terra. Mas pra onde irei vou ter de prestar contas ao papai do céu. E tenho certeza que Ele vai me perdoar de todas as faltas que cometi. Aqui na terra ainda tenho algum tempo pra viver. Sei ainda que preciso de alguma renda para sobreviver e meus rendimentos são poucos. E as despesas ultrapassam meu orçamento. Mas alguém vai me ajudar. Já que eu nunca deixei de ajudar a ninguém. Sei ainda que nada mais me resta. Só me resta o consolo de ter você como amigo”.
No dia seguinte meu amigo Amaro Amoroso subiu aos céus. Daqui de baixo posso vê-lo sorrindo. Dizendo a todos como ele está feliz tendo podido ajudar a quem precisa.
Um dia iremos nos despedir desse mundo. Já que nada mais vai nos restar, depois de nossa partida, quem sabe seria melhor nos desfazermos de nossos bens materiais. Assim com certeza a saudade da gente vai doer muito mais…