Nem tudo…

Expressão marota essa que enseja muita coisa.

Nem tudo que parece é. Assim como nem tudo que reluz é ouro.

Nem tudo me agrada. Algumas coisas me fazem torcer o nariz.

Quando a chuva cai na hora errada. Quando a seca esturrica a terra sedenta de água. Nem tudo aquilo que me foi dado de bandeja aceitei de bom agrado.

Nem tudo que a mim aconteceu me inspirou saudade. Quando meus pais viviam ai sim. A lembrança deles me corrói as entranhas. Fazendo-me lembrar de suas presenças tão ternas. Quando vivíamos naquela velha casa onde passei minha infância e parte da juventude. Hoje ambas são vistas pelo retrovisor da vida. Num cenário distante. Perdidas lembranças que não voltam mais.

Nem tudo me satisfaz. Já desejei muito mais. Hoje me dou por feliz por tudo aquilo que conquistei.  Pelos pacientes que por aqui passaram. Pelas operações bem sucedidas. Pelas consultas que ajudaram a esclarecer o mal que meus pacientes sentiam. Pelos abraços que dei. Pelos olhares de agradecimento que se perderam nos meus. Por tudo aquilo que ofereci aqueles que precisaram.  E mesmo aos que negaram meu ombro amigo me sinto grato.

Nem todos que passaram por minha vida foram bem vindos. Alguns ingratos falaram mal de mim. Mesmo assim não lhes queiro mal. Mal com o bem se apaga. Como fogo se apaga com água.

Nem tudo aquilo que vi foi visto com bons olhos. A pobreza extrema me ofende o decoro. A miséria a tenho como filha ingrata de mesas abastadas. A solidão por vezes faz falta.

Nem tudo que vivi foi visto com olhos de ternura.  E como era bom receber o carinho de minha mãe. Assim como me sentia bem nos ombros do meu pai. Mas me foi extremamente penoso ver meu pai agonizar ao final da vida. Sofrer à mercê de sua enfermidade.

Nem tudo aquilo que presenciei agradou aos meus olhos.  Alguns fatos foram enxotados das minhas lembranças. Quando meu cãozinho amigo, de nome Pirunguinha, morreu longe dos meus cuidados.

Nem tudo aquilo que vivi deve ser guardado nos meus pensamentos. Momentos felizes sim, os tenho guardados aqui comigo. Mas as tristezas prefiro apagá-las das minhas memórias. Embora elas resistam ao ostracismo do esquecimento.

Nem todas as pessoas com as quais convivi devem fazer parte do meu livro de memórias.  Se um dia o escrever irei procurar deixar gravado apenas quem me traz boas recordações de outrora.

Nem tudo aquilo que deixei escrito faz parte da verdade. Alguns fatos, coisas e loisas, são meras invencionices das minhas ideias.

Nem todos os momentos que tenho passado merecem ser lembrados. Alguns deles deleto. Apago sem deixar marcas. Pois eles me fazem lembrar de coisas ruins. Apesar de a vida ser entremeada de bons e maus instantes. Os maus esqueço. Os melhores ficam gravados dentro de mim.

Nem tudo me convém e não tenho de viver segundo as conveniências. Vivo como me apraz. E não faço questão de ouvir a opinião de terceiros. Agora, se tenho de prestar contas a alguém, em primeiro lugar tenho de prestar contas a minha consciência. Vivo em paz comigo mesmo em meio aos meus escritos.

Nem tudo que brilha me ofusca os olhos. Uso óculos de sol quando o dia nasce em claridade máxima.

Nem tudo é como a gente quer. Daí a minha ojeriza quando o assunto não me convém. Quando um não quer dois não se ofendem. Melhor deixar as palavras soltas ao vento. Que elas serão enxotadas como um cão sarnento.

Nem tudo me ofende a dignidade. Seria por causa da idade em que me encontro? Ou pela sabedoria acumulada?

Nem sempre as coisas são tão boas quanto parecem. Qualquer semelhança é mera coincidência com o que deixei escrito.

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