“Podem me pedir de tudo, menos isso”

Seu Antenor envelhecia a anos vistos.

Dezembro, em seu começo, ele completou oitenta.

Mas não pareciam tantos anos. Cabelos negros sem tintura. Andar ereto caminhando sempre. Pele lisinha da face sem rugas ou olhar de cansaço. Tudo nele mais parecia um jovenzinho a procura da primeira namorada.

Naquela data festiva Seu Antenor recebia a família na sua fazendona. Era ali que ele morava desde muitos anos. “essa gleba de terras é o meu paraíso. Se eu tiver de morrer um dia me enterrem aqui mesmo. Inté já escolhi o lugar. Na terra fofa debaixo desse pé de jabuticaba. Que eu mesmo plantei quase um século atrás”.

Ele, viúvo desde dois anos passados, a principio sentiu muita falta da sua amada Margarida. Com ela tiveram uma dezena de filhos. Que lhe deram de presente uma centena de netos.

Mas, com a saúde que era dotado. Uma vez enviuvado não se contentou em ficar solteiro.

Um ano depois amasiou-se a um fulana de nome Tiana. Fogosa rapariga que não se contentava em dormir com apenas e tão somente um macho. Aquela relação durou menos que a florada dos ipês. E terminou em meio a rusgas e descontentamento das duas partes.

Mas Seu Antenor não sabia viver sozinho. Acabou juntando as cobertas com uma vizinha de nome Aurora. Que não era de se jogar fora tamanha a belezura de sua cinturinha de viola. E o resto que vinha por baixo era de fazer qualquer dois perderem a cabeça. Com a dona Aurora viveu até a semana passada quando a trocou por uma mocinha que diziam prendada. E elazinha, a fulaninha, a qual bem que podia ser sua neta. Estava de olho na sua fortuna. Que não era de se jogar pelo ralo da pia. Só de terras ele tinha bem mais que alguns alqueires de terra nua. Fora a plantação de soja que ia até onde Deus duvida.

Diziam, nas cercanias sem cercas de divisas, que Seu Antenor era mais rico do que o falecido Tio Patinhas. Aquele simpático patinho que tomava banho numa piscina cheinha de notas mais altas do que um prédio de cem andares. E se era verdade ou fake não posso dizer o contrário. Nem contrariar os entendidos em grana.

O fato retrato é que tudo que diziam do velho Antenor tinha uma pitadinha de verdade. Inclusive que com a derradeira amasiada deixou no ventre delazinha mais um moleque que mais tarde se revelou mais um herdeiro de sua fortuna. Entre os filhos de sangue e os outros nascidos fora do casamento.

Naquela data festiva a parentada compareceu em sua totalidade. Quase mais de cem bocas famintas a espera do cantar parabéns.

O primeiro a fazer um discurso foi o filho de mais idade. Mais um oportunista de olho na fortuna do pai. Ele não falou nada que prestasse. Salvou-se quando ele disse que Deus abençoasse o querido pai.

A festança se prolongou até tantas horas. Seu Antenor bocejava de sono.

Sua filha mais velha, percebendo que era a hora de apagar as velinhas. Fez uma breve oração pedindo vida longa e saúde ao pai. E outros pediram o mesmo, inclusive que lhe desse juízo.

E foi a vez do aniversariante proferir seu desejo.

E Seu Antenor, depois de apagar as velinhas, com um assopro que quase incendiou a salinha.

Já morto de sono, assim se expressou expressamente.

“Tudo que vocês me desejaram tomara seja realizado. Vida longa terei desde que a saúde não me abandone. Felicidade sempre a tive junto de mim. A minha égua tem esse nome. Não sei quanto tempo me resta. Nem quero saber. Já que me pediram para ter juízo, isso jamais o terei. Burro velho não pega marcha nem as cinzas se endireitam. Pretendo continuar desse jeitinho desajuizado. Não vou mudar. Ah! Antes de mandar ocês embora gostaria de dizer que já refiz meu testamento. Irei deixar tudo que tenho, inclusive a minha égua Felicidade, aos meus amigos de verdade. Já que vocês, interesseiros, de olho nas minhas posses, nadica de nada irei deixar”.

E não é que o velho Antenor está vivinho da silva até hoje? Cercado de amigos de verdade. Demonstrando um cadinho de juízo que não gostaria de ter tido.

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