Agora posso declinar meu voto

Afinal, finalmente, depois de tanto tempo a assistir baboseiras pela TV, naquele período de propaganda eleitoral gratuita, que deveria ser cobrada a preço de tampão no ouvido, parece ter chegado ao fim. Pelo menos naquelas felizes comunidades onde não haverá segundo turno.

Nas capitais, nas cidades de maior expressão, pobres delas! De novo a tela da televisão vai continuar a exibir, em horários, ditos nobres, embora de nobreza só tenha a cara da plebe, os pobres candidatos continuarão a mostrar  seus bastiões  eleitorais.

Mãe de Santo, santa que não era santa, João do Embornal Vazio, que deve se encher logo logo, Tunico do Pinico, tomara depois de lavado, e que não sofra da próstata, deve estar cheio ao acordar de manhã, Vartinho do Sinteco Sujo, se precisar dá uma segunda mão, aquele que diz ter cuidado com a mão no bolso, Toniel do Papel Higiênico, que jura ser de primeira limpada, Capitão Que Era Soldado Raso, depois foi despedido por injusta causa, que se provou pela Lava Jato ser mais sujo que pau de galinheiro de galinha com  piriri de brota de capim novo, e uma multidão de asseclas, que empestam a televisão com suas mensagens a cara da tapeação fajuta”.

A melhor solução para a contravenção da propaganda enganosa veiculada em horário que ninguém assiste de fato é o controle remoto. Ou o botão de liga e desliga, ou passar a ler o novo livro de Paulo Rodarte ( Mugido de Vaca e  Cheiro de Curral ) a ser lançado em oito de outubro próximo.

No dia do voto dos devotos, ou daqueles outros não muitos devotos, dos santinhos não muito bentos, dos eleitores que mudam de camisa, para quem paga mais, das ruas enfeiadas por aquelas caras de pau, exceções são exceções, saí em desordenada correria pelas ruas da minha querida Lavras.

As seis e pouco, quando pulei da cama, depois de subir o morro topetudo que me leva a portaria do condomínio, não imaginava pra onde ir.

Perguntei à seringueira se ela estava feliz. Até alonguei a pergunta, sem resposta imediata, em quem ela iria votar?

Ela balançou as folhas, deixou cair uma multidão por cima de mim, e emudeceu naquele silêncio de vegetal.

Uma vez mais longe perguntei a um gato preto, temeroso que ele me trouxesse azar, qual lhe seria o candidato? O danado do bichano esperto miou em direção a uma gatinha linda, uma angorá, que passeava no seu rabo de olho.

Já na rua perguntei a um dorminhoco qual seria o felizardo do seu voto. Ele continuou a dormir, apenas roncou.

Dez quilômetros depois inquiri a um bando de urubus a quem iriam sufragar o voto.  Eles simplesmente voaram pra longe, onde eu não podia chegar.

Quase no fim da jornada, longe, bem distante, quase uma eternidade medida pelos olhos de anjo, uma vaca de mojo cheio de aguardente, pasmem!, ela não produzia leite, e sim pinga, de tanta cana picada que comia, me disse, e não pediu segredo de urna, que iria votar no boi, seu amante amigo.

Na volta continuei minha pesquisa de opinião. O padre votou no sacristão. A freira, no Papa. O passarinho no alpiste. A lagartixa na borboleta que queria comer. O safado do sacana, recém egresso de um motel, me afirmou que já tinha feito a sacanagem. Que lhe custou uma gonorréia e um cancro duro.

Quando chegou a minha vez de enfiar o voto na urna, a eletrônica rejeitou-me a presença, depois de tentar cobrar pelo autógrafo que assinei no papel dos mesários, aí entrei em desconfiança com minha pessoa.

Não poderia votar em mim mesmo. Mesmo que fosse candidato seria fragorosamente derrotado como Napoleão na Batalha de Waterloo.

Em meus pais a urna não aceitaria a intenção de voto. Na minha sogra, coitada, ela não escuta bem, e pode confundir quando o alto-falante anunciar-lhe a derrota ou a pseudo vitória. Nos meus filhos, ou no netinho lindo, de nome Theo, o nenenzinho não  imaginaria  a podriqueira que iria esperá-lo.

“In dúbio pro réu”.

Depois de passar quase duas horas defronte à cabine de votação, sem ação, uma fila enorme esperava atrás de mim, foi que tomei a súbita decisão.

Vi um quadro na parede da sala de votação. Nele estavam duas meninas lindas, risonhas, felizes da vida por causa não sabida. Ainda ignorada por mim.

Só depois vim a conhecer o motivo da tal felicidade. Era o final do horário gratuito da propaganda política, na televisão.

Saí da cabine sorrindo de orelha a orelha. Meu voto, agora posso anunciar, de peito aberto, não foi outro senão na tal “felicidade”…

Não sei se ela, que nem era candidata a nada, dona de um nome tão lindo – “Felicidade”, tão em falta no país em que vivemos, lhe foi impugnada a eleição. Se foi ou não, que ela, mesmo não sendo eleita, faça parte dos destinos da nação…

 

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