Acabei fotografando saudade

Como lidar com saudade? Como deixar o passado de lado, sendo que, de vez em sempre ele me corteja mansamente, com aqueles olhinhos tristes de nostalgia?

Confesso ser quase impossível me desvencilhar tanto de um quanto de outro.

Saudade fica constantemente atrelada ao passado, como o cavalo de carroça fica preso àquele utensílio que tanto pode carregar gente, como coisas da roça, que saudade da rocinha das minhas tias- avós.

Era para lá que ia nas férias de fim de ano. Carregando apenas a mocidade, além de sonhos pueris. Sem maldade rondando-me a cabecinha de criança, sem pecados originais, além de sonhar com a professorinha que me ensinou o b-a-bá, dona de umas pernas lindas, das quais nem sabia a utilidade, além de caminhar.

Era para aquela rocinha encantada, onde corria um rego d’água que o tempo assoreou, corguinho este que desaguava nos pés de jabuticaba, os quais davam duas ou três safras no ano, como eu me regalava naquelas frutinhas escuras, avidamente disputadas com marimbondos famintos, e as maritacas vítimas do meu estilingue feito com galinhos finos da mesma árvore copada, sob a mesma copa brincava de pique- esconde, com primos que cresceram mais do que o previsto, ficaram adultos, viraram anciãos, muitos já foram morar ao lado de Deus.

Naquela rocinha encantada, que me recebia com todo mimo, havia um fogão à lenha, onde eu, e amigos diletos, esperávamos com parcimônia e paciência a hora de comer a segunda refeição do dia.

A comida era simples. Arroz com feijão vermelho, colhido ali mesmo, um angu vindo de milho de fubá de milho novo, carne de panela de um capado gordo, que foi abatido pedindo socorro, além de umas verduras colhidas na horta de couve, onde nasciam beterrabas lindas, cenouras de cabo curto, abobrinhas de talo fino, pepinos que renegava, onde minhocas saltitantes viviam por baixo da terra.

Na rocinha das minhas saudades, reluzente no meu passado, as tias avós, aparentadas com minha querida mãe, faziam de tudo um muito, para que a gente se sentisse feliz.

Ainda me lembro, com o peito mugindo fundo, das pobres vaquinhas sem raça do Tio Júlio, que as ordenhava quando podia, sem ração, insumo que não podia comprar, um tiquinho de capim, seco no inverno, um cadiquinho de cana de canela fina, e nada mais, além de carinho.

As tais vaquinhas tatu com cobra eram pouco exigentes. Davam, cada uma, uma canequinha de leite quentinho, produto disputado entre nós, primos amigos.

Quis o tempo, a saudade, que deixasse o passado, a mocidade, longe de onde estou.

Agora sou um velho, ainda lúcido, não sei por quanto tempo mais, nem sequer imagino, pródigo em dizer bravatas, tais como: nunca vou envelhecer, jamais irei adoecer, pois ainda palpita dentro de mim uma pitada de menino.

O velho que agora vive dentro de mim continua a curtir o passado , refém de um sentimento profundo que recebe o nome de saudade.

Sempre, andando pelas ruas, indo e voltando, como vou e volto ao passado, que nunca se distancia demasiado, hoje, por volta do meio dia, passei por uma casa onde mora uma querida vizinha.

Dona Meire, esposa do Nadinho, estava um tanto quanto sumida. Não a tenho visto esbanjando simpatia pelas ruas da minha Lavras, sempre maquiada, de bolsa a tira- colo, expondo-se à sanha doentia de gatunos de olho na incapacidade de reação daquela senhora pródiga em anos.

Sempre que nossos caminhos se entrecruzavam parava um cadinho perto dela. Elogiava-lhe a beleza, ainda viva dentro da masmorra dos seus mais de oitenta anos.

Um dia soube que dona Meire estava enferma. Uma doencinha própria da idade. Nada de grave, felizmente.

Por tal motivo, ao passar defronte de sua casa, no mesmo condomínio onde moro, um dia vou me mudar, que este dia demore a chegar, entrei porta adentro.

Não sem antes me anunciar ao seu filho caçula, quem era eu, o motivo da minha visita de médico, que continuo a ser.

Dona Meire do Nadinho me recebeu com o mesmo carinho de dantes.  Com um sorriso na face, cabelos presos pro alto, coluna vergada sob o peso dos anos.

Enveredei-me sala adentro. Olhei as fotografias que repousavam em vários pontos do ambiente aconchegante.

Fiz questão de usar meu i-phone para capturar o passado. Eram lindos retratos dos filhos, do marido, dela jovem, linda moça, cobiçada em todos os lugares.

Segundo escutei das próprias lembranças da querida Dona Meire meu pai, que Deus o tenha junto, ao lado de minha mãe, era um dos fervorosos admiradores da beleza da dona Meire.

Fiquei naquela casa por alguns minutos apenas. Era quase hora do almoço.

Agora olho as fotos obtidas pelo meu celular. Ficaram lindas como linda ainda é a Dona Meire do falecido Nadinho.

Um dia vou revelar as fotos. Depois da revelação feita, com certeza, acabei fotografando saudades…

 

 

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