Ao relento

Bruninho nunca se deixou encabrestar desde menino.

Aos cinco fugiu de casa. Aos dez escafedeu-se da escola.

Aquele menino sem juízo, apesar de nascido em lar estruturado, não obedecia aos pais. Rebelde, sem causa, assim que lhe davam trela lá ia ele em direção à rua, a qual considerava seu lar.

As más companhias logo vieram atrás.

Os primeiros anos de evadido vivia nos semáforos. Aprendeu a fazer malabares com um amigo oriundo do circo.

Quem olhasse aquele jovenzinho, fantasiado de palhaço, fazendo diabruras com aqueles apetrechos circenses, logo imaginava que aquele talento não podia ser esperdiçado.

Pena que Bruninho só exibia aquele talento para ganhar algumas moedinhas. E com elas comprar drogas. Alimentando assim vícios maiores.

Aos quinze teve a liberdade cerceada. Foi pego com a mãozinha afanando algumas guloseimas num supermercado. Como era menor logo foi posto em liberdade. Mas, como tinha vocação para o crime logo, aos dezoito, depois de um assalto no qual foi partícipe, não teve como deixar a cadeia.

Ali passou tempos fechado, olhando pela janela o sol nascer quadrado.

Quem disse que Bruninho emendou? Assim que foi posto em liberdade de novo retrocedeu naquela vida fácil.

Passou a ser coadjuvante em assalto a banco. Era apenas o motorista de um grupelho perigoso.

Era ele quem esperava na porta da agência bancária quando os amigos se evadiam. Apressado, dirigindo em alta velocidade, conta-se nos dedos quantos acidentes provocou. Por sorte em nenhum deles morreram vítimas inocentes.

Aos quase trintanos, uma vez imiscuído naquela vida sem volta, Bruninho tentou se redimir. Depois da undécima prisão, uma vez no olho da rua, jurou que nunca mais voltaria aquele lugar insalubre.

Conseguiu emprego num supermercado. Era ele quem cuidava das verduras. O gerente, crente de ali ter uma pessoa em quem confiar, entregou-lhe a chave da casa.

Foi uma tentação não resistida.

Na primeira manhã, munido da responsabilidade que não lhe entrava na consciência, eis que o meliante, graças às más companhias, de novo afanou algumas mercadorias.

No dia seguinte, com a maior desfaçatez, ao ser pilhado em flagrante, jurou que não era ele o autor do delito.

Novamente foi despedido. E se viu ao desabrigo.

Passou um mês dormindo debaixo de um viaduto.  Quando chovia Bruno acordava todo molhado. Daí a uma pneumonia foi um pulo de gato.

Febril, com uma tosse persistente, felizmente foi internado num hospital.

Ali passou semanas. Até receber alta bem melhor de quando entrou.

De novo na rua, vivendo de favores, mais uma vez o já adulto Bruno retrocedeu no mundo do crime. Desta vez foi uma ocorrência mais grave. Houve morte de um vigia que reagiu ao assalto.

E não fora Bruno o autor do disparo. Mas como tinha péssimos antecedentes foi implicado na morte do guarda. Desta vez a pena foi pesada.

Um mês depois, já sem perspectivas de deixar a cadeia, uma fuga em massa aconteceu.

De novo Bruno se viu na rua. Dormindo ao relento.

Ontem, ao chegar ao meu consultório, avistei um corpo deitado no chão.

Pensei que ele estava dormindo. Deixei-o dormir sossegado.

Horas depois, pela internet, fui informado que encontraram um corpo sem vida debaixo de um cobertor encardido. Seu nome era Bruno. O tal que de vez em quando encontro dormindo ao relento.

 

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