Seu Zito e a vaca mocha

Acordar cedo sempre foi o costume daquele senhor, gasto em anos, e feliz mesmo ao sabor dos desenganos.

Seu Zito nasceu e sempre viveu naquele pedaço de chão. De tão pequeno que quando a vaca deitava o rabo ficava de fora da cerca de arame farpado, que dividia os pastos com um vizinho nada amistoso, arreliento por índole e dissabor, cujo nome era Nicanor.

O bom homem da roça morava só. Não que não apreciasse a presença de alguém ao seu lado. Mas, dadas às decepções com muitos da sua espécie tomou para si a rédea da vida, passando a ser um ermitão declarado.

Era ele quem fazia todos os serviços da sua rocinha amada. Roçava a pastaria quando se fazia preciso, cuidava de uma dúzia de vacas, alimentava os bezerrinhos quando o leite faltava nas tetas inchadas, tirava leite duas vezes ao dia, cuidava da limpeza do curral sempre limpinho, e de vez em quando fazia um negocinho, os quais garantiam-lhe a sobrevivência em tempos de vacas magras.

Aquele homem do campo era digno do maior respeito e admiração. Honesto a toda prova, jamais passou manta em algum vizinho. Quando dizia que aquela vaca novilha iria produzir vinte litros de leite, e ela dava a metade, logo devolvia o produto, trocando a vaca parida de fresco por outra da melhor qualidade.

Por estas qualidades todas era admirado em toda região. Para ele um aperto de mão era mais importante do que qualquer nota promissória. Guardava toda a féria do leite dentro de um colchão de palha. Qual não lhe foi a decepção quando, numa madrugada, ao acordar a mesma hora costumeira, deparou-se com uma cena insólita. Ratos gordos acabavam de comer toda a dinheirama depositada numa velha mochila. Não sobrou uma nota inteira.

Mesmo assim Seu Zito não perdeu os cabelos. Eles caíram pouco a pouco, desde quando atingiu a idade de pouco mais de quarenta.

A grande paixão daquele sitiante era uma vaca que nasceu pelas suas mãos caludas. Seu nome era Andorinha. Tinta em preto e castanho, escura como um balde de piche derramado sobre um urubu pelado, ela nasceu ali mesmo. Seu Zito ainda se lembra da dificuldade do parto. A danada da bezerrota engastalhou no canal do parto. O que levou ao parteiro experiente há horas e horas de sofrimento declarado.

A tal bezerrinha foi amamentada numa mamadeira improvisada. A sua mãe vaca nunca deu leite que prestasse. Por isso mesmo foi passada adiante. Virou carne de boi. Embora fosse em verdade carne de vaca.

Passaram-se os anos. A linda bezerrinha, o xodó de seu dono, acabou virando uma novilha de fazer inveja aos melhores produtores de leite.

Só que ele tinha um pequeno defeito. Exibia no alto da cabeça um par de chifres de fazer corar o marido mais recatado, o qual jurava que a esposa era fiel, apesar de ter em seu currículo mais de cem horas de motel.

Andorinha precisava perder os chifres. A mocha era um procedimento simplesinho.  Carecia esquentar um ferro em brasa, desde que a vaquinha fosse bem pequenininha, apertar este apetrecho na testa da bezerrota, e depois de minutos de tortura, uma vez exalada um fumacinha com cheiro de churrasco passado do ponto, em seu lugar se deixar ver uma área em carne viva, e logo logo a ferida cicatrizava. Deixado no lugar dos chifres uma área pelada.

Mas, por culpa de não sei de quem, já que o homem do campo acabou mochando a bezerrota com piedade de avô, no lugar onde foi sapecado o chifrinho, ainda mole como o coraçãozinho do Seu Zito, acabou nascendo dois pares de chifres novinhos.

A partir do insucesso da operação, feita num momento de pura emoção, o dono da Andorinha aceitou a encomenda do jeito que a natureza a dotou.

Andorinha acabou virando vaca chifruda mesmo. O que em definitivo não a impediu de dar dois baldes cheinhos de leite entornando pelas bocas.

Dizem, as boas e ferinas línguas, que até hoje Seu Zito e Andorinha vivem como marido e mulher. Até que um dia nasceu, de parto normal, sem as complicações de antes, um lindo gabiru a cara do pai e da mãe.

E, acreditem se quiserem, o tal bezerrinho, que um dia se tornou reprodutor, nasceu mocho, sim senhor.

Seu nome passou a ser Zito Andor. Em honra e glória daquele simpático casal. Inda hoje os vi, felizes da vida, durante um final de semana na roça que tanto amo.

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