Pra ele nunca é feriado

Nesta pandemia todos os dias são iguais.

Acordamos a mesma hora. Ficamos em casa sem ter o que fazer. Levantamo-nos quando queremos. E se preferimos ficar na casa tanta faz, como tanto fez.

Até parece que todos os dias são iguais. Estamos em pleno outono. Dias lindos como este nos acorda bem cedo.

Pra mim é uma heresia permanecer entre as cobertas. Sem poder observar o clarume do sol. A azulice do azul que desponta lá no alto. O frescor das madrugadas. O sorriso das crianças brincando naquele parquinho que permanece fechado. Segundo as regras ditadas por quem nos dirige.

Sempre fui contra ficar em casa. Sinto-me capaz de ir ao trabalho. Como sempre me aprouve. O país ressente-se deste desperdício de mão de obra. Contrariando as normas de prudência observo, quando desço pela rua, antes das seis, gente, pessoas ao desabrigo, sem ao menos poder levar pra casa o sustento da família.

Trabalho é benção. Qualquer que seja.

Feriados em demasia no meu entender é um obstáculo ao crescimento.

Pra ele, meu amigo, vizinho de pasto, com ele divido as cercas, todo dia é sempre igual.

De domingo a domingo ele acorda sempre a mesma hora. Antes das cinco já se pôs de pé.

Antero, caboclo raçudo, bem rodado, mãos calejadas pelo trabalho pesado, não se acostuma aos feriados.

Na roça não se tem direito a dias santos. Feriados, então, são soberbamente ignorados.

A vaca não sabe distinguir entre quarta-feira e a outra segunda que se segue. Tem de ir ao curral. Visitar a cria parida na noite passada. Ela tem fome. Tem de se deixar ordenhar.

Quando o pasto seca ela acaba morrendo de inanição. Não conheço outro animal mais dependente do ser humano.

Antero, antes das dez e meia já terminou as primeiras tarefas do dia. Tem de almoçar. Quem trabalha tem fome.

No máximo tira um cochilo. Meia hora é suficiente. Antes do meio dia já está novamente na lida. Tem de roçar a pastaria. Semear as sementinhas de milho no tempo certo. Ai se as chuvas faltarem…

Para Antero não tem tempo ruim. Pra ele trabalho significa saúde. Comida no prato. Sono tranquilo. Nunca o vi tomando remédio para dormir. Segundo ele a melhor receita para conciliar o sono é um dia cheio de trabalho, um banho morno ao final das tardes, nem sabe o que seja televisão.

Noticias ruins são ignoradas. O que importa pra ele é a safra de milho que pendoou na hora certa, o bezerrinho que nasceu com saúde, o preço do leite que vai ser pago no próximo mês.

Para meu amigo Antero todos os dias são iguais. Feriado, dia santificado, nem olha no calendário.

Nesta quinta-feira passada, tudo parado na minha cidade, o país inteiro contabiliza as mortes, dei uma passadinha na roça do amigo Antero.

Ele estava terminando a primeira ordenha. Os cochos estavam repletos de trato.

Era quase hora do almoço.

Fui convidado para almoçar junto ao amigo. Era cedo ainda. Menos de dez e meia.

Comemos juntos um frango com quiabo. Acompanhado de angu mole. Feito naquela hora pela esposa do Antero.

Não durou mais que uma hora a nossa refeição. Me deu vontade de repetir o prato. De tão apetitoso que fora.

Despedimo-nos com um desejo sincero de que tudo iria melhorar. Em alguns dias a pandemia iria passar.

Para meu amigo Antero não existem feriados. Nem dias santificados.

Todos os dias são sempre iguais.

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