Aqui é onde me sinto em casa

Sentir-se confortável implica em um sem número de coisas.

Poder chegar cansado do trabalho e tirar os sapatos à entrada.

Logo a seguir espichar-se no sofá da sala sem antes pedir licença a quem quer que seja. Pois do seu lar você é o dono. Já que há anos mora só. E felizmente tomou a decisão mais acertada embora ainda pense ser a solidão uma má companhia ela não se tem mostrado tanto assim.

Já que aprendeste a se virar por ti mesmo.

Não a cozinhar ou a cozer, mas um sanduiche de pão com queijo de Minas comprado na quitanda da vizinha é pra ti mais que precisas. Pra que tanto? Aprendeste a ter como dogma de vida essa assertiva. E nada mais ou nada menos.

Ficar a espreita de a noite chegar. Já que é final de semana podes ir a um bar onde a mesa de sinuca o espera de tacos prontos a encaçapar.

Voltar ao seu lar doce lar a hora que seu desejo pedir. Sem ser preciso licença ou do padre até mesmo do bispo.

Acordar ao ouvir o passarinho cantar. E como canta bonito o canarinho mesmo submisso à prisão de uma gaiola qualquer.

Ah se isso tudo fosse verdade e não mais um devaneio meu. Sonhar não só é preciso como essencial ao bom viver. E eu vivo por sobreviver pisando em nuvens. E se me disserem ser preciso cuidado pra não cair mesmo sujeito a tombos me viro. Não nos trinta e sim em que número quiser.

Voltando a fincar os pés no chão hoje, neste sábado frio e nevoento, aqui cheguei não disposto a ficar. Mas seria uma sensação magnifica aqui, nesse lugar esplendoroso, passar a noite inteira. Acordar ao despertar de mais uma manhã.  Abrir a janela de mansinho. Olhar as águas já quase límpidas da represa do Funil em meio a neblina que lhe recobre a superfície. E pensar que peixes nadam com esse frio. Eu não me atreveria a um mergulho sequer.

Aqui deveras é onde me sinto em casa.

Mas essa é sua casa! Pode dizer alguém que tem você em alta estima.

Mas se não fosse? Eu iria talvez retrucar.

Mas de verdade, não faltando com ela, é aqui que eu gostaria de morar.

Em meio a singeleza do singelo. Ouvindo o mugido de vacas e o berrar saudoso do bezerrinho que acabou de nascer. Ele não nasceu em berço douro. Como muitas criancinhas da cidade que nunca jamais tiveram o prazer de tomar leite quentinho ao pé da vaca mãe.

De encher a canequinha esmaltada de açúcar cristal pelo fundo. E ir espremendo as tetas uma a uma até o leite secar.

Estas crianças, meninos e meninas, nunca tiveram a chance de subir num pé de jabuticaba já madurinhas e disputar as mais docinhas com as maritacas e abelhas abelhudas, e, se picadas por uma delas passa álcool que sara.

Aqui, nessa minha rocinha desencantada quando chego na cidade, em verdade é o lugar onde me sinto como eu.

Desvestido das vestes ditas elegantes que um cidadão de alto conceito deveria trajar.

Desvisto-me das calças compridas e recorro as pega frango como elas eram chamadas nos tempos idos de nossas avós.

Aqui me ponho a vontade e não estou nem aí para o que dizem de mim pelas costas. Se nem vizinhos eu tenho? Pra que tanta frescura se o ar de per si já é frio?

 

Aqui deveras é onde me sinto eu de verdade. Não em meio a inveja dos pobres de espírito. Dos que arrotam ovo de chocolate de marca famosa e nem sabem que esse ovo foi usado como indez num ninho abandonado qualquer.

Aqui, olhando pra fora da janela, deparo-me com um cenário de sonho.

E se me belisco sinto o beliscão dos meus dedos.

Não é sonho não.

Estou vivo ainda não pronto a me despedir desta vida maravilhosa que tenho levado.

Aqui por certo me acho por inteiro.

Não uma colcha de retalhos unidos trapo a trapo.

 

 

 

 

 

 

 

 

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