“Deus! Dai-nos forças.”

“Ninguém é dono do corpo. E do espirito de ninguém”

É quase impossível, durante os quase cinquenta anos de medicina. Em três anos completo cinquenta de graduado. Muitos colegas de farda se foram. Foram intimados a exercer sua arte em algum lugar mais além. Perdi a conta de quantos partiram. Desta vida terrena para outro lugar ainda por mim e por vários outros desconhecidos. Já que no último encontro daquela turma de um mil novecentos e setenta e quatro não estive presente. E como gostaria de poder abraçá-los. Um a um. De A Z.

Pois, se bem me lembro do Adamastor. Não sei bem se esse era seu primeiro nome. O alegre Benedito. Distante dos colegas com o meu nome começado em P. Do Carlos que faleceu no ano passado. Numa cidade longe da minha sepultado. Ai que saudades me inspira e me faz suspirar a falta da Odete. Uma linda recém formada lourinha. Que se assentava a uma cadeira juntinho à minha. E, não só me dava cola em alguma disciplina nos estágios mais prematuros do curso de medicina. Bem como me permitia, ler dentro de seus olhinhos claros, uma coisa que pra mim não seria outra senão uma paixão incipiente. Pena que dela me ausentei. E soube, anos depois, que elazinha veio a se casar com um colega de turma. Pena que nos dias de agora enviuvou. E da Elisa. Nascida em Santos Dumont.  Que se especializou em pediatria por amar as criancinhas. Como nosso papai do céu nos ama a todos nós. Doces lembranças ainda me trazem a Francisca. Chamada por nós de Chiquinha por ser miudinha no tamanho.  Mas dentro delazinha pulsava um enorme coração que já parou de bater. E da Geralda? Dela não poderia me olvidar. Pois ela não só me dava ouvidos quando me aquietava ou falava pelos cotovelos. E da bela Honoria nascida e creio que inda agora reside na capital BH. Todos eles, e elas. Não me esqueço do colega Idelfonso. Nome esquisito para um esculápio. Que se graduou na maior idade. Já que conseguiu passar no vestibular somente depois dos quarenta. Já grisalho e meio calvo. E do velho colega e melhor amigo que tive na universidade. O Januário. Vindo da distante cidade de Januária. E, anos mais tarde. Por ser amado e respeitado acabou sendo conduzido ao cargo de prefeito. E fez um excelente desempenho no timão daquela cidadezinha do norte mineiro. Não poderia jamais me esquecer da perda sentida e a qual não tive como consolar a familia do colega Klaudiano. Naquela sua cor esquisita entre marrom e preto como carvão seco e esturricado. Que se despediu de nossa turminha unida. Nos bons e piores momentos de nossa vida pregressa. Mais um médico novato convocado a exercer medicina nos céus dos anjos e gente boa como ele era. E o Laurinho? Figura de riso fácil. Que nos contaminava a todos com sua prosa boa. Suas piadas inventadas na hora. Que se tornou otorrino. Que se considera bem parecido àquele comediante nascido no Reino Unido. O Mister Bean. O Manuel. Que em verdade foi batizado como Emanuel. Mas, para encurtar-lhe o nome o chamávamos de Mané. Diziam sobre ele que se notabilizou em tratar bicho de pé. Pois morava numa rocinha perdida nos cafundós de Minas. Pra onde voltou pra ser enterrado debaixo da velha amoreira. Onde, em criança, usava brincar de esconde esconde. E nunca era encontrado pois se dizia homem invisível. E o arreliento Nicanor? Médico posudo e narigudo. E ainda por cima tinha orelhas como as de um elefantinho chamado Dumbo. O qual usava as suas orelhonas para voar. O bom e de altura alta. Chamado Orvile. Que se especializou em curar ossos quebrados. E tinha a força de um Sansão antes de Dalila lhe cortar os cabelos. Por duvidar de sua masculinidade. Provada e comprovada dentro e fora das salas de aula. Depois do O lhe sucede o P. P de Paulo. No meu caso Paulo Expedito Rodarte de Abreu. O qual ainda professa o seu amor pelas palavras. Tem pelas letras unidas verdadeira adoração. Os livros ele os considera filhos. E nutre pela Urologia o mesmo amor de dantes. Quando, recém formado, aqui apeou vindo da Espanha. A inserir a operação de próstata pela uretra. Creio que pela vez primeira no sul das Minas Gerais. Com a letra Q apenas de um nome me lembro. Seria o Querubim? Ou o teria confundido com outro colega que por acaso se chamava Querêncio?  Se não foi já era. Depois do Q vinha o colega Raimundinho. Veinho como Seu Zé Antonho. Velho amigo da roça. De quem já contei causos incontáveis vezinhas. O R me recorda a linda Regina. Não a de sobrenome Romanielo. Daqui da minha Lavras mesmo. Era outra Regina. Especialista em ginecologia e obstetrícia. Não sei qual hoje lhe é o destino. Já a santa Silvia nos dias de agora se tornou mais um anjinho a cuidar das crianças no céu onde moram meus pais. O T me faz lembrar de mais um otorrino. O colega de nome Tanner. Que hoje ajuda a formar novos profissionais da otorrinolaringologia num hospital de BH. Famoso e conhecido pelo nome Felício Rocho. Já o U me faz lembrar do lido Ubaldino. Um especialista em doenças de mulheres. Meu leitor daqui da minha amada amante Lavras. Cidade pela qual nutro um amor além da conta. A letra V me leva a palavra verdade. E não via falsidade naquele colega cujo primeiro nome soava Virgino. Não Virginia pois ele era homem. Era um doutor com D maiúsculo. Importante esculápio que se enveredou pela carreira política. Sendo eleito senador. Já o Y era o Yehuda. Médico das vistas. Hoje professor da faculdade de medicina da conceituada UFMG. A derradeira letra do alfabeto. Pena que no Brasil exista tantos analfabetos. Ela se chamava Zélia. A querida Zelinha era estimada pela turma inteira. Pelo seu bom caratismo e competência profissional. Creio não me ter esquecido de nenhures colega de faculdade.

De agora há três anos celebraremos cinquenta anos de graduados.

E o porquê do meu título desta crônica deste vinte e um de outubro?

“Deus! Dai-nos forças”.

No dia dezoito deste mesmo mês celebramos o dia do médico. Teríamos razões suficientes para comemorar? Como nos bons tempos de nossa formatura?

A medicina se metamorfoseou como a crisálida numa borboleta com aparência de bruxa malvada. Antes a nossa arte era considerada diferenciada. Vestíamos o branco diáfano da pureza e da limpeza. Já nos dias de hoje jogaram nosso nome na sarjeta. A mídia ama nos difamar. Culpa-nos de culpas que não temos. Enxovalham-nos a honra. Nos reduzem  a bichinhos de goiaba. Que torna a doce fruta em algo podre.

Por isso peço. Suplico-lhe. De joelhos.

“Meu bom Deus.Dai-nos forças.”

Outros médicos virão. Que eles encontrem. Na sua ao mesmo tempo doce e espinhosa missão uma trilha melhor. Um caminho menos pedregoso.

Deus. Não sua onipotência divina orai não só por nós. Esculápios. Profissionais de saúde. Não só por todos os brasileiros e outros nascidos no além mar. Bem que precisamos da sua benção meu Pai do Céu.

 

 

Deixe uma resposta