De tanto dar asas a imaginação acabei me estatelando no chão.
Penso, logo existo (cogito, ergo sum).
Trata-se de uma frase atribuída a um filósofo francês de nome René Descartes. Que enseja o pensamento do sistema cartesiano, que deu origem a filosofia moderna, na qual o pensar e refletir sobre o próprio intelecto é o centro da existência do ser humano. Já que o pensamento é que o nos diferencia de todos os outros seres vivos.
Mas creio que pensar demais nos faz sofrer. E exige de nós noites insones. Pensando no que vai acontecer no dia seguinte.
Penso ainda que talvez fosse melhor fechar os olhos e ouvidos ao que infelizmente tem acontecido. Às podriqueiras que nos ofendem as narinas exalando um cheiro forte de esgoto que escorre a céu aberto. Em certas comunidades dependuradas nos morros. Em que pessoas ao desabrigo moram de favor até que são enxotadas pelo poder público. Nesse malfadado país onde o brilho das estrelas opacifica aqueles de brilho verdadeiro. Onde uma minoria detém a maior fatia da riqueza nacional. Conquanto a esmagadora maioria vive à custa de quantias irrisórias. E a fome grassa como erva daninha num jardim mal cuidado. Pensando que um dia vai melhorar. E pensamentos avoam rumo ao céu nessa azulice que nos faz cegar os olhos. Nesse dia tão lindo após o carnaval.
Já pensei tanto e ainda penso mais.
Se deixar de pensar não vivo. Não sonho. Nem sequer acordo.
Já pensei em deixar a medicina. Me aposentar por completo. Mas o que seria de mim sem acordar bem cedinho. Ficar na cama até tarde nem me imagino. Teria sim pesadelos. Sonhos ruins iriam me assediar.
Já acalentei pensamentos ruins. De parar de escrever. De deixar de editar tantos livros. Mais um me faz falta. Seria outro a enfeitar a estante por detrás de onde estou. Ombreando e escorando todos eles. Não permitindo que o primeiro viva só entre outros vinte e uns. Não penso em parar de escrever a não ser que a inspiração deixe de brotar dentro de mim. Ai sim, vou deixar de pensar. E não irei mais sonhar.
Já pensei e ainda penso em parar de vez. Mas quando isso suceder não sei o que vou fazer. Se paro, penso, onde irei parar? Se me aposento irei ficar assentado a um banco da praça? A espera do momento final? Contando as horas para permanecer vivo? Não me imagino desse jeito. Não tenho parança. Minha mente tem a inquietude das asas de um beija flor. E não a brevidade das borboletas.
Um dia pensei em ser adulto. Deixar a infância de lado. Tornar-me um ancião. E tudo isso aconteceu. Deixei de ser menino. Jovem enchi-me de sonhos. Que ainda não se esboroaram. Sonhos ainda vivem dentro do meu eu.
Já pensei, um dia, em deixar de fazer conjecturas. Mas de tanto pensar acabei por conjecturar ainda mais. Se paro não penso. Se corro não dispenso o ar que me rodeia. Sem andar não sei viver.
Já pensei em parar de receber elogios. Mas sem eles não escrevo. Sem escrever não consigo domar minha ansiedade.
Já pensei em parar de vez pra sempre. Mas quando isso acontecer pra que viver? Entregue ao ócio talvez tenha parança. Mas não tenho a devida paciência para me aquietar de vez.
Já pensei em aquietar minha vontade de seguir em frente. Pra trás não consigo retroceder. Olhando o passado acalma minha ira. Vivo o presente sem me desvencilhar de tudo que passou. Mas sigo adiante. Sem perder a noção do que seja tudo aquilo por que passei. Bem sei que não se deve viver preso a um passado. Mas longe dele não sei viver.
Já pensei em me desvencilhar dos meus sonhos. Sonho ainda. Mas vivo preso à realidade. Que por vezes é dura demais para enfrentá-la.
Já pensei em tantas coisas… Agora sobrevivo pensando nos meus pais ausentes. E como eles me fazem falta. Dos seus carinhos. Do amor que eles dois me fizeram presente. Dos conselhos que eles me deram. Dos exemplos que eles me deixaram.
Já pensei em parar por um dia apenas. De parar de respirar. De ver meu coração parar de tiquetaquear. Mas, no dia em que isso em verdade acontecer. Ai sim, estarei prontinho a ir de encontro a eles dois. Naquele lugar magnífico. Por cima da azulice desse céu azul.
Bem sei que um dia irei parar pra sempre. Mas, por favor, lhes suplico. Deixem-me que leve junto esse computador onde escrevo tanto. Quem sabe lá no alto consiga domesticar minha inquietude. Essa minha mente hiperativa. E tenha êxito em publicar mais um livro. Cujo tema seja o conflito entre a lua, o sol e as estrelas. E não permitam, jamais, que me impeçam de pensar tanto.