Não tem sido fácil sorrir nesses dias atribulados em que estamos vivendo.
A seca tem castigado nosso povo. Felizmente na noite de ontem choveu um cadinho.
Estamos atravessando tempos bicudos. A crise mostra a cara zangada. O desemprego empobrece os lares em todo Brasil. O comércio ressente-se da falta de dinheiro. Lojas vazias sinalizam a crise.
Sorrir parece estar com os dias contados. Mostrar a dentição perfeita não tem sido comum.
Chorar, franzir o cenho, deixar as rugas passearem pela face. Tem sido a bola da vez.
Ele sim tinha motivos de sobra pra chorar. Sorrir não era do seu costume.
Aquele senhor circunspecto. Trabalhador contumaz e consumido pelas horas dedicadas ao trabalho pesado. Acordando sempre a mesma hora. Indo de emprego a outro para compensar os baixos salários. De repente se viu em dificuldades maiores que até então experimentara.
Arlindo foi despedido. Sem motivo justificado. Por ter chegado um minuto mais tarde no seu emprego ele recebeu o cartão vermelho. Até então a pontualidade tinha sido sua qualidade maior. Mas naquela manhã infeliz Arlindo se atrasou. Não por sua culpa e sim por um atraso na condução que o levaria ao trabalho.
Ao chegar à fábrica teve a surpresa de ser despedido. Nem viu a cara do patrão. Recebeu seus direitos e voltou a casa. Como devia o aluguel, já atrasado desde o ano passado, toda a importância recebida foi a conta de saldar as dívidas. E nada restou em seu bolso vazio.
Pessoa estóica e valente Arlindo não se abateu. Foi a luta novamente. Por sorte não tinha filhos ainda. Casado recentemente, a espera de a vida melhorar, ele e sua amada esposa pediram um tempinho para procriarem.
Naquele dia infeliz celebravam três anos de matrimônio. Viviam um pelo outro. Era o retrato exato de um casamento perfeito.
Arlindo, assim que voltou a casa, trazendo más noticias. Encontrou a esposa em prantos. Acontece que, justamente naquele dia, ao acordar, sentiu uma dor nas partes intimas. Elazinha sofreu um aborto. Perdeu a cria.
Mais uma vez Arlindo sofreu como nunca havia sofrido antes. Fez uma oração pedindo ao pai do céu que ELE atenuasse o sofrimento dos dois.
De repente voltou sorrir. Um sorrido tímido aflorou em seus lábios crispados pela dor.
Saiu à rua em busca de trabalho. Não sem antes levar sua amada esposa ao hospital.
Já no quarteirão acima de onde morava Arlindo acabou entrando numa loja onde vendiam fantasias. Ainda longe do carnaval.
Ali, com o resto do seu salário, com as sobras que ainda trazia na algibeira. Comprou uma fantasia de palhaço.
Pediu ao vendedor que, se pudesse entraria no provador. Vestiria a vestimenta de palhaço. Aquele narigão vermelho agora seria o seu. Uma roupa bem maior que nele cabia. Um par de sapatos que mais pareciam o dobro que seus pés pediam. Pagou a mercadoria em espécie. E nada sobrou em seu bolso vazio.
Arlindo saiu a rua vestido de palhaço. Fazendo molecagens tal e qual uma criança sorridente.
Usando um megafone teve a feliz idéia de fazer propaganda a porta das lojas. No que se deu bem melhor que antes.
Arlindo, a partir desse dia, deixou a tristeza de lado. Vestido de palhaço passou a ser um vendedor de sorrisos.
Mesmo sorrido por fora ele chorava por dentro.
Um dia tive noticias do Arlindo. Ele acabou sendo contratado por um circo. Como atração principal no picadeiro era anunciado como Arlindo, o Vendedor de Sorrisos.