O aperreio do Sô Batista

Tem coisas que não da pra segurar.

A hora de espirrar. De ir à privada aperreado para exonerar o intestino. De esvaziar a bexiga então, pobre do velho ancião que sofre da próstata. Da mesma maneira torna-se missão impossível segurar o ímpeto de não conseguir voltar a casa depois de uma viagem longa. Quando o trem para na estação. E você esquece a mala na estação que ficou pra trás. E ela leva todos os seus pertences. E você, sem pertencer a ninguém, fica olhando o vazio do nada. Esquecido que está de tudo que ficou pra trás. Tendo olhos só no presente. E não se lembrando de nada mais. Incerto caminha em direção ao futuro. Dizendo que a Deus ele pertence.

Em que confusão meti os meus leitores. Vamos adiante. Nessa crônica que teve começo e nem sei qual será o seu desfecho.

Sô Batista já passeou muitas datas natalícias. Dos seus muitos janeiros deixando outros fevereiros anos atrás.

Na data presente ele completou noventa aninhos. “Nem parece, meu avozinho.” Dizia a sua netinha Gabi.

De fato e no retrato o velho Batista conserva a coluna ereta. Como uma reta em linha reta. Andando sempre. Trotando de vez em quando. Nas suas caminhadas pelas estradas. No ir e vir sem chegar a lugar nenhum.

Num dia ensolarado como esse que recém amanheceu o velho Batista acordou cedinho como de costume.

Bateu-lhe um desejo imenso de dar uma corrida.  Nos pés calçou um tênis de boa marca. Na parte do meio um calção meio desbotado. Uma camiseta branquinha encobria-lhe a nudez da parte de cima. E um boné de uma cor de burro fugido da carroça tapava-lhe a calva.

Pra onde iria ainda estava em dúvida. No meio do caminho acabou por decidir.

A corrida mal começou e Sô Batista se lembrou de que havia se esquecido de ir ao banheiro. Esquecimento funesto. No meio do caminho não tinha uma pedra. E nem lugar para mijar.

Foi quando teve a infeliz idéia de no mato esvaziar a bexiga. E naquela hora ingrata deu-lhe vontade de também abaixar o calção. Foi quando sentiu uma coisinha estranha a picar os seus fundilhos. Na hora exata de limpar o ânus com uma folha para ele apropriada para servir de papel higiênico. Que danação. Era uma folha de urtiga repleta de carrapatinhos micuins. Aqueles carrapatinhos miudinhos que entram na pele e não saem nem com reza mansa.

Sô Batista não abortou a correlança. Voltou a correr na mesma toada de tartaruga manca. E ainda por cima perneta.

Quando chegava na metade da corridinha nanica mais uma vezinha deu-lhe vontade de novo urinar. Que aperto ele sentiu. Mas quem disse que a urina saiu?

Com a bexiga prestes a estourar elezinho na cidade chegou.  Quase desfalecido de tanta dor.

Fui eu que tive a infelicidade de atendê-lo. Estava de plantão sem plantar sequer um pezinho de couve ou de alface.

Ainda no começo de minha residência de urologia. Naquele hospital que onde dantes trabalhei. E só me deu trabalho e não me pagou.

Sô Batista ali chegou mugindo que nem boi enfurecido a procura de vaca no cio.

Nem deu tempo de perguntar como vai você. Estava na cara e na barriga inchada que não era gravidez adiantada e sim prisão de urina.

Meti-lhe uma sonda, sem vaselina, uretra acima. No que saiu um balde repleto de urina amarelo citrina.

Sô Batista sentiu-se aliviado. Agradeceu-me de pés juntos. Nem perguntei se ele tinha plano de saúde. Já que seu plano era continuar a carreira.

Soube depois que ele acabou sendo operado de próstata. E continua a correr como dantes nas suas corridinhas tartaruguentas. Que não levam a lugar nenhum.

O aperreio do Sô Batista não acaba nunca. Tempos depois soube que ele foi atropelado por um carro de boi. Quebrou as duas pernas e manquitola corre até hoje amuletado.

Que saúde tem o Sô Batista. Queria ser como ele. Quem sabe ele sou eu?

 

 

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