Como tem faltado chuva nestas bandas secas do lado de cá.
Um cadinho de lá embaixo tem chovido além da conta. Mais ao norte, precisamente no Nordeste chove a encher ruas e avenidas, desabam barrancos, pessoas, pra deixarem suas casas, têm de usar canoas pra não se afundarem.
No hemisfério mais ao norte um calor sufocante faz os pobres europeus se desnudarem em plena rua. E tome água fresca! E o banho, antes uma raridade em países de clima frio passou a ser costumeiro. A cada semana liga-se o chuveiro. Antes a falta de banho, que eu me lembre, quando estive em Paris, um perfume de sovaco vencido me empestava as narinas. De quando em quase nunca um perfumezinho com cheiro de alfazema tentava disfarçar o odor que exalava daquelas mulheres lindas. Ai que vontade de, naquela hora, obrigar a elas todas que entrassem na ducha, com a minha companhia a observar a cena maravilhosa. Da mesma beleza que a linda Paris exibe em seus mil encantos.
Não é nada fácil a vida do homem do campo. Já disse, e nunca é demais repetir: vaca não dá leite. Tem de tirar. E pra tal ruminante encher o balde a danada tem de ser alimentada copiosamente. E o pobre retireiro, figura dinossáurica, quase extinta, tem de acordar, seja em tempos de chuva, que seja no frio intenso, deixar sua caminha quentinha, lavar a fuça n’água fria da mina quase seca, tomar um cafezinho magricela na trempe do fogão a lenha, deixar a casa modesta sob densa cerração, procurar a vaca extraviada parida escondida num matinho qualquer, levar coice da mula ranheta que teima em não se deixar arriar. E, assentado àquele banquinho tosco começar a ordenha da madrugada.
E tome mijo. E leva rabada da vaca de bezerro novo. Tem de apartar do lado de fora da sala da ordenha os outros bezerrões famintos. E, algumas vezes a vaca chuta o balde. E não dá pra aproveitar o leite derramado no chão barrento pra lá de enlameado. Um prejuízo que pesa no bolso do pobre produtor nanico. E, antes das sete horas lá vem, no alto do morro, o velho caminhão leiteiro, buzinando apressado, já que tem hora marcada para sugar do tanque de expansão semi novo, comprado a suaves prestações, de outra fazendola ali pertinho. E o pobre retireiro, prestes a deixar o emprego, por desejar mudar de ramo, cansado da lida na roça, prestes a pedir demissão ao pobre patrão que não tem outra renda senão aquela. E mais uma vez o homem do campo ergue suas mãos cascorentas pro alto, invoca ao Senhor Deus Pai, que, por favor mande São Pedro abrir as torneiras e deixe a água cair, sob a forma de chuva criadeira.
Seu Zito, meu amigão, antes tirava leite branco da vaca preta. E sabia quase tudo sobre vacas e suas crias. Sabia, de antemão, que vaca de três peitos não dá leite como as de quatro. Que berne não se cura com benzeção. Que carrapato micuim é uma praga que infesta a pastaria. Principalmente onde pastam éguas. Na seca acontece algo assim. Que despacho na encruzilhada indica sinal de mau agouro. Que chuva quando vai cair acinzenta-se o céu da banda daquele lado sul. Não vem do Norte. Ele era tido como o veio da roça. Embora não fosse tão veio assim.
De tanto trabalho exaustivo, que o levava a exaustão, Seu Zito deixou a roça com o coração partido. Foi ali criado. Nunca havia deixado a roça salvo nos dias de ir à venda que ficava na cidade perto. Quando faltava mantimentos ele ia na tal carroça de rodas murchas. Com a mesma mula arrelienta que só fazia o que ela desejava. E, na maior parte das vezes a tal mula empacava. Dava coices até na sombra.
Um feio dia, dia de chuva abundante, céu escuro e trovejante, era mais ou menos seis e meia da manhã, Seu Zito antecipou a primeira ordenha pra ir à cidade, faltava fósforo para acender o fogão a lenha. No meio do caminho, por uma estradinha lamacenta, eis que a mula empacou. Justamente no meio do morro.
Na intenção de desempacá-la (não sei se tal palavra existe), Seu Zito, desprevenido, apeou da carroça, meio desajeitado, foi puxar a mula no sentido de trás pra frente, e acabou levando um coice doído na barriga. Que o fez cuspir pra longe a dentadura frouxa. E nunca mais teve umazinha quase igual aquela perdida numa curva da estrada.
Cansado da trabalheira que o serviço de retireiro a ele obrigava, Seu Zito, em conformidade com ele mesmo, resolveu juntar seus pertences num velho embornal surrado, cheio de furos feitos por ratos gordos, e adeus viola.
Mudou-se de mala e cuia pra nossa morada. Já conhecia Lavras de ouvir falar. Mas nunca por aqui fincou os pés. Nem aqui pisou com sua botina furada na sola.
Depois de muita procura foi admitido como porteiro do edifício onde trabalho. Este mesmo chamado de Edifício das Clínicas.
Acostumado a acordar cedinho nunca se atrasou ao trabalho na portaria. Hoje, quatorze de setembro, dia quente, sem sinal de chuva ainda, céu a clarear, a temperatura a subir, demos de cara um no outro na porta do prédio. Ambos tomamos a mesma iniciativa de abrir a porta de vidro blindex.
Foi quando a ele perguntei: “Seu Zito? Vai chover? Hoje ou amanhã?”
Ele sacudiu a cabeça, meio sem saber, olhou pro céu, ainda indeciso sobre a previsão do tempo. E acabou por concluir: “pode ser. Tanto hoje como amanhã. Quem sabe depois de outro amanhã? Tenho por mim que pode chover só quando outubro vier. Quem sabe na primavera? Em dezembro por certo as chuvas irão chegar. Em janeiro chove o mês inteiro. Só vai parar de chover quando a seca chegar”.
Agora, o relógio assinala exatamente sete horas da manhã. E nada de a tal chuva despencar.
Da próxima vez vou pedir a previsão exata do tempo a outro qualquer. O Seu Zito vou deixar na portaria à espera das próximas águas que por certo irão rolar.
Quando? Se nem eu sei? Se vocês souberem me dizer, por favor, me digam…