Como gostaria de ter vivido nos tempos de antigamente.
Quando ainda não existiam os celulares. A internet nem suspirava.
Livros eram impressos em pergaminhos e depois da invenção maravilhosa do papel as inspirações livrescas passaram a ser lidas em grossos compêndios. Que dispensavam a eletricidade e a internet mal ensaiava os primeiros passinhos como um bebezinho aprendendo a engatinhar.
Pena que, ao nascer, no quase distante ano de um mil novecentos e quarenta e nove, dezembro em seu começo, as máquinas movidas a gasolina, ou similares, já existiam.
Ainda tenho vagas lembrança do bonde andando lento sobre trilhos. E com que alegria a gente se equilibrava nos estribos. Sem pagar passagem. A gente descia antes do ponto final. Era como se um trenzinho da alegria, destes que de vez em quando na minha Lavras querida faz a alegria da meninada. Eu mesmo já andei em um deles. Bem acompanhado por alguns dos meus netinhos. E que estripulia fazia alguns doidinhos fantasiados de palhaços das ilusões passadas. Pena que olvidadas no olvido do esquecimento.
Não sei, por encomenda de quem, inventou aqueles carros antigos. Um Ford Bigode foi uma apologia à modernidade.
Muitos especialistas do segmento automotivo consideram o Benz-Patent Motorwagen como o primeiro carro do mundo. Patenteado em 29 de janeiro de 1886 por Karl Benz.
Eu ainda nem sonhava existir. Estava em projeto ainda. Anos depois vim ao mundo na vizinha Boa Esperanca.
Sempre não me arranhou o desejo de ter um carro. Tive alguns deles. Um chevetinho azul. Comprado semi novo quando aqui cheguei. Já me apaixonei por uma lambreta azul e branca.
Com ela me equilibrava em duas rodas. Fazendo enorme sucesso principalmente entre as primas de Varginha. Quando, nas férias de final de ano passava um mês inteirinho na fazenda do Tio Zito Abreu. Na localidade rurícola das Três Barras, pertinho do trevo da cidade de Nepomuceno. De onde vieram ao mundo grande parte dos Abreus. Creio que a outra face da moeda veio da aprazível Ribeirão Vermelho.
Depois, quase um ano depois de aqui estabelecido, quando a Urolito foi instalada nesta cidade acabei por comprar uma moto Falcon. Era uma preciosidade da Honda. Novinha em sua lataria e seu motor de muitas cilindradas.
Naqueles anos morava numa casa enorme no bairro Centenário. Talvez tenha sido ela a minha primeira e derradeira construção. A seguir somente consegui construir livros. Atividade prejuizenta, como minha rocinha de onde jamais trouxe lucro, a não ser ver uma vaca parida lambendo a sua cria. E presenciar canarinhos da terra ciscando o esterco do curral.
Confesso, e respondo, se por acaso do descaso, não gostaria de trocar a minha pratinha valente, uma caminhonetinha da marca Fiat, que sempre fica estacionada defronte ao prédio onde moro. Aquela mesma que de quando em vez tenho de chamar um especialista para dar uma chupeta, para que a mesma saia da letargia preguiçosa em que se encontra.
A esta pergunta respondo sempre, na concessionária: “o senhor não tem um par de pernas novas a me oferecer? As minhas já se mostram carunchadas, carcomidas pelos anos, de tanto caminhar”.
Dizem, as boas e não tão boas línguas palradeiras, quando me veem pelas ruas da cidade, se por acaso eu, ao revés de pernas tenho rodas.
De fato. Às rodas prefiro as pernas. Elas não carecem de recauchutagem. Muito menos de pneus novos. Não precisam de combustível para se locomoverem. Não estragam tanto quanto uma embreagem. A qual, quando, mostra sinais de exaustão, passa-nos um cheiro ruim.
Pernas pra que as quero andejas. Elas são feitas de músculos, tendões, ossos fortes, e articulam-se entre si por uma mola que chamamos de joelho. Que de vez em quando doem.
E muitos, sejam idosos ou jovens, quando se enchem de cerveja, tem de parar para tirar água do tal joelho. Esquisito. Como urologista nunca vi algum mijar pelo joelho.
Não cabem deudas. É andando que a gente se conhece melhor.
Tem gente preguiçosa que prefere tirar o carro da garagem. E com ele ir à padaria que fica logo na esquina da rua de baixo. E tome trânsito na canela dura! E bebe gasolina. Que felizmente seu preço tem barateado nestes dias pré eleitorais. O que nos reserva o day after das eleições? Será que o custo de um litro de gasolina vai continuar baixinho como um pintor de rodapé? Ou vai subir como foguete à estratosfera?
Não me imagino jamais andando de carro pelas ruas de nossa cidade. Tendo de ouvir xingos tais como: “roda dura! Velho deve andar de carroça! Vê se te enxerga veio gagá! Entra de novo numa auto escola para fazer reciclagem. Sua CNH já deve estar vencida faz um tempão”.
Não me imagino nunquinha, com minha pasta cheia de livros novos à venda, andando lentamente, de auto, pelas ruas ou avenidas tumultuadas das ruas do centro da minha Lavras.
Como iria parar o carro, descer onde não é permitido, e oferecer um dos meus dezenove livros a um passante qualquer? Seria por certo multado ou teria minha caminhonetinha guinchada ao pátio do Zebrão.
Seria uma descortesia enorme para com aqueles aficionados a uma boa leitura. Ter de aturar um médico experiente, e bem vivido, naquela tentativa inglória de passar adiante uma de suas obras literárias. Por um precinho camarada. Que custa menos que uma Kaiser quente e meia dúzia de torresmos fritos em gordura de cheiro duvidoso, e alguns tira gostos de sabor de canjibrina péssima.
Tenho pelas minhas duas pernas em altíssimo apreço. Ah, se pudesse ter umas quatro, melhor seria.
Não me restam dúvidas. É pelas minhas pernas de panturrilhas duras como aço que muitos me param nas ruas e acabam me dizendo: “o senhor é o doutor Paulo Rodarte? Amo as suas crônicas. Já li e reli muitos livros seus. Sou fã de carteirinha de qualquer delas que fala da rua onde o senhor foi criado. A Costa Pereira não só faz parte do seu passado como se tornou leitura obrigatória de muitos textos de sua lavra”.
A partir de então, até quando Deus não me convocar a escrever no céu, entre anjos e querubins, vou continuar na minha caminhada até que os mesmos anjos digam amém.