Mais parecia um adeus

Nunca diga adeus a um amigo. Pode ser que ele parta para o infinito e nunca mais irá ve-lo novamente.

Melhor dizer até breve. Aí sim. Pode ser que ele volte ao seu abraço e você consiga entrelaçá-lo de novo em pouco tempo.

Adeus é muito forte. Deixe-o enfraquecer, atenuando-lhe o significado. Diga somente volte em breve.

“Fica comigo meu mel. Tire o adeus das mãos. Não me entregue à solidão. Meu mel, por que eu preciso de você. Lembra da nossa canção. Os nossos sonhos enfim. O que fazer de tantas coisas. Sem ter você o pedaço de mim”.

Eu diria: não diga adeus jamais. Melhor um choroso até um dia. Que este dia seja breve.

Eu o conheço desde quando o desde nasceu. Sem exagero, não ficcionando a realidade, como costumo fazer nos meus romances, conheço meu vizinho Geraldo, desde quando, naquela rocinha prejuizenta, ali troquei meus tênis corredores por uma botina gomeira. Que, quando volto da roça mais parece um pneu recém desatolado da lama, sujismundo e grudento, com mais barro na sola que uma estrada nunca dantes melhorada, desde as últimas chuvas de verão.

Foi este mesmo amigo do peito, com seu peito sempre magricelo, que não só me ensinou a lidar com vacas, como, da mesma forma, como eu não aprendia, me mostrou que vaca não dá leite de graça. Carece alimentá-la com fartura. Nunca deixá-la a ver navios quando a seca prepondera. E, dentre todos os animais sujeitos ao homem é o mais dependente da gente.

Geraldo, da dona Nega, costureira de mancheia, aposentada, que mora na cidade, mas não se desgruda do marido, passa os finais de semana na mesma rocinha, pertinho da minha, e como ela faz comida boa. Tantas e tantas vezes ali filei bóia. Feita com todo capricho naquele fogãozinho movido à lenha, onde as chamas crepitam nos dias frios, e onde a amizade impera tanto aos visitantes ou desconhecidos que por ali apeiam.

Geraldo, cujo sobrenome não importa, pra mim pode ser Teixeira, ou até mesmo Rodarte, não foi nascido nas bandas da querida Ijaci. Ele, embora seja carrancudo, apenas no semblante, nada amistoso, pra quem não o conhece, tem um coração generoso, cheio de boas intenções.

Ele foi nascido nas terras de Carrancas.  Em algum lugar de lá. Pelo amor que ele dedica aos animais, sejam mochos ou chifrudos, não me restam dúvidas. Geraldo, tenho certeza, absoluta, nasceu na zona rural. Não vou dizer que ele não tenha passado por alguma zona ou corruptela qualquer. Se sim. Não vou dizer que não. Se não, não irei dizer o contrário.

O fato é que o bom Geraldo foi a primeira pessoa com quem tentei fazer algumas catiras.

Dele comprava vacas as quais ele jurava, de joelhos juntinhos, que a tal Mimosa dava trinta litros de leite frio. Isso na primeira ordenha. Juntando as duas somavam-se quase sessenta.

E eu comprava a tal Mimosa, recém parida, pela bagatela de não sei mais quantos reais irreais.

Acontece que o amigo Geraldo, além de encher o bucho da sua vaca de primeira cria de ração e fubá feito no munho d’água, ele deixava a sua prenda linda três ou mais dias sem tirar leite.

Tão logo a bichinha apeava no meu curral a produção leiteira caía para cinco litros de leite quente por dia. E que manta eu levava na catira que se repetia sempre entre nós dois.

Mesmo sendo ludibriado eu não emendava.  Voltava à roça do Geraldo propondo a destroca. E a manta era ainda pior.

Pena que o tempo não para. E a gente envelhece. Ficamos caducos e morremos.  Uns mais cedo. Outros vão pro céu ou inferno segundo prega o evangelho.

Nos tempos atuais Geraldo, e eu, ficamos apartados. Arrendei a minha rocinha antes prejuizenta a outro amigo do peito. O Betão, sim. Entende do riscado.

Para não perder os laços de amizade que nos ata e não desata construí uma casa à beira da represa do Funil.

Agora passo tempos, dias, meses e anos, sem ver a cara do amigo Geraldo.

Ele, de quando em vez, aparecia do lado de cá da minha cerca montado à cavalo.

Agora nem isso acontece mais.

Quando a saudade cutuca faço-lhe uma visitinha de médico. É como buscar fogo antes de a fogueira apagar.

Ontem, na curva do amigo Tom Zé, filho do Zé Pedroso, numa subidinha íngreme, percebi, caminhando tropegamente, um senhor, velho conhecido, que não só se negou à minha carona, como me apertou a mão, com doçura. E, ao reconhecer em mim seu velho amigo, com as mãos trêmulas pela enfermidade de Parkinson, me disse: “sou eu mesmo. Não aquele Geraldo, forte, homem da roça, duro como cerne de amoreira vetusta. Agora sou uma sombra doente do que fui antes. Mal posso caminhar. Montar a cavalo? Nem pensar. Minhas pernas não dobram. Quase não tenho forças pra nada. Minhas mãos tremem à hora de ordenhar minhas poucas vaquinhas. Acredito estar no final dos meus dias. Em breve irei ordenhar minhas ruminantes no céu. Ou que seja nalgum lugar melhor que aqui”.

Acabamos nos despedindo com olhos lacrimejantes. Nossos velhos corações choravam. Em um compasso descompassado.

Aquele nosso derradeiro encontro parece ter sido um adeus. Embora espere que seja apenas um até breve.

 

 

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