Peço-lhe, imploro-te, jamais afastes de mim tudo que em mim causar saudade

Já me cansei da fatal sensibilidade. Já até blasfemei chamando-a maldita.

Tenho nervos a flor da pele. Não a pele áspera dos homens da roça. Apesar de ter por eles verdadeira admiração, não tenho, como eles, muito menos a força nos braços, a capacidade de levar dois sacos de esterco nas minhas mãos desenluvadas, nem ao menos sei espremer as tetas das vacas e delas ver o jorro do leite sair em esguichos possantes. Muito menos consigo laçar bois no laço. Nem ao menos ficar horas perdidas, vazias, a espera de a vaca parir, escondidinha num matinho qualquer.

Peço-lhes, suplico a alguém, quem quer que seja, que, na hora em que meus olhos forem se fechando, de minha boca exalando um último suspiro, não me asilem numa casa de idosos. Prefiro ditar, quando ainda sóbrio, que me deixem partir aqui mesmo. Que seja neste mesmo lugar onde escrevo. Ou na minha rocinha onde me sinto tão bem.

Suplico-lhes, por favor eu lhes imploro, que me concedam a graça gloriosa, de ver pelo menos um dos meus netinhos graduados. Que seja numa profissão qualquer. Desde que ele seja feliz em qualquer atividade que porventura tenha escolhido. Pra mim seria o ápice da felicidade se um dos três se tornasse escritor.

Imploro, suplico, a quem ler meu escrito, que não me privem de viver revivendo o passado. Pois graças a ele eu existo. Não nasci no dia de hoje. Foi há exatos setenta e dois anos perdidos na distância que me une aquela mesma rua, que daqui se avista, pelos fundos.

Mais um pedido lhes faço. Jamais afaste, das minhas recordações mais íntimas, a saudade que ainda me cavouca o peito desde aquelas datas fatídicas, quando perdi meus pais.

Por favor, não seria este meu derradeiro pedido. Outros hão de vir. Não sei quantos dias mais viverei. O que importa é que, o que resta do meu tempo presente, é que eu seja agraciado em plena saúde. Quando não mais puder dizer sim, ou não, sendo internado num leito de hospital qualquer, ligado a tubos, sondas, stomas, aí sim, que me alijem de mim.

Eu lhes suplico. Por favor, façam a minha vontade, quando ela ainda estiver presente, que seja no tempo presente, ou num amanhã, inconsequente.

Eu lhes peço ainda, antes que minha voz se cale, que eu consiga, pelo menos, teclar as teclas deste computador que me acompanha há anos tantos. E que a inspiração que me cavouca a alma nunca me deixe só.

Pelo menos lhes imploro. Mesmo que meus livros não tenham a aceitação da mídia, ingrata, um ou outro leitor acabe, depois da leitura tome gosto pelos meus escritos e se torne um bálsamo, um lenitivo, para atenuar suas aflições e angústias.

Um derradeiro pedido.

Jamais afaste de perto de mim tudo aquilo que, porventura, ou desventura, me causar saudade…

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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