São lágrimas de pura alegria

Como se define o choro?

Segundo aprendi, com um mestre chamado enciclopédia, chorar subentende-se um verbo classificado tanto como transitivo direto e intransitivo. Tem como sinonímia deixar correr lágrimas de dor física, tristeza ou emoção. Chorar são lágrimas que não se pode sopitar.

Tome-se como exemplos: a filho chorou copiosamente a morte do pai. O tronco da árvore chora. O céu derrama lágrimas neste dia chuvoso.

E eu me pergunto: “por que chorar alivia a dor?”

Pra muitos, nestes muitos me incluo, pois sou um verdadeiro chorão, o choro produz uma espécie de analgésico natural uma vez formado, e libera uma série de hormônios em nosso organismo. Exemplifico – a ocitocina e a endorfina trazem uma sensação de bem estar e ajudam a apaziguar a dor física e emocional. Dai eu passei a entender que o choro faz bem.

Não aquele em excesso, copiosamente abundante, lágrimas soltas a cada instante, sinais ou sintomas de uma doença da moda. Chamada, por entendidos, como depressão.

O choro tanto pode se contido ou mostrado, a olhos vistos, tanto por uma tristeza no olhar, acompanhada de soluços, que não apenas é causa de constrangimento, aos que o cercam, como se mostra quando gotas salinas despencam em cachoeira de pouca água, seja pelo canto dos olhos, descendo como ribeiros em direção ao rio.

Um choro excessivo pra mim rima ou casa bem com sensibilidade em excesso. O que eu tenho por dentro. Que se extravasa, a cada momento, só de ver uma criança faminta, com suas mãozinhas sujas, numa rua ou avenida de uma grande cidade, a esmolar.

Segurar lágrimas, quando se deve chorar, pra mim é como impedir dois amantes de se acarinharem. Deixem as lágrimas despencarem de onde elas nascem. Não contenham o choro. Deixe-o se derramar. Não restam dúvidas que chorar faz um bem enorme.

Quem não chora não mama. Esta frase aprendi com minha mãezinha querida. Quando, de castigo, naquele banquinho duro, ainda me restavam horas para de lá sair, mostrava meus olhinhos lacrimejantes. E, elazinha, amante do seu filho primeiro, quando erguia a minha mãozinha pro alto, ela me permitia, com um simples e singelo meneio de cabeça, e como a sua era linda, deixar aquele castiguinho, o qual eu era merecedor, antes da hora prevista. Uma ou meia horas antes do combinado.

Deixando o castigo de lado, vou-me ater ao causo, se verdadeiro ou mais uma invencionice de minha parte. Se foi verdade ou mais uma fake, relato tal e qual me passaram adiante.

Há anos passados, numa rocinha perdida num local ermo, morava um senhor, já bem andado em anos, de nome Joaquim. Os conhecidos apelidaram-no por Quinzinho. Não só por sua diminuta estatura como por seu excesso de sensibilidade.

Seu Quinzinho chorava por qualquer motivo. Chorava, e rechorava, ao ver um passarinho morto. Antes de experimentar a vida. Pois era quase um filhote.

Voltava a derramar lágrimas ao ver uma vaca recém parida. Na tentativa inglória de pô-la a salvo dos predadores urubuzentos.

Na maior parte das vezes o seu Quinzinho não conseguia conter o choro. E, debalde, ao tentar segurar as lágrimas, no lugar onde elas nasceram, um frêmito de emoção o fazia desmaiar.

O velho Quinzinho era um verdadeiro choramingas. “Coisa de mulher”. Comentavam as más línguas.

Isso de dizer que homem não chora é pura inverdade. Chorar não só faz bem como exibe, seja tanto no homem, quanto em sua cara metade, uma coisinha que no mundo anda em falta. Amor ao próximo e ao que está distante. Todos somos iguais. Ricos, pobres, adultos, jovenzinhos, crianças, o nosso destino será o mesmo. Uma cova rasa, ou funda, um caixão de madeira nobre. Ou feito de restos de tábuas de construção.

A seca conferia ao ambiente um ar de desolação e desgraça. Tudo fedia à poeira. A pastaria, quando alguém, desavisadamente jogava uma guimba de cigarro, da janela de um carro, um grande incêndio se podia ver. As vaquinhas poucas do Seu Quinzinho nada tinham o que comer. E exibiam suas costelas a mostra. Sinal inequívoco de fome.

Tudo, ao derredor, pedia pela volta da chuva. Afinal a primavera estava apenas começando. Era a hora certa de arar a terra. Que se mostrava inóspita tanto ao arado. Mais ainda às grades que deveriam suavizar os torrões. Para, tempos depois, quando outubro viesse, naquela terra adubada, estercada, ali fossem despejadas sementes. Que dariam lugar a uma rocinha de milhos graúdos. Que, tempos idos, seriam mais uma fonte de alimentar a vacada. Que venha a chuva tão sonhada. Que tanto bem faz às plantações.

Foi num domingo, que antecede a uma segunda, que reencontrei o Seu Quinzinho assentado na soleira de sua casinha modesta. E a chuva começou de mansinho. O céu se mostrava acinzentado. Deveria chover pelo resto do mês inteiro.

Dos seus olhinhos, de uma tristeza anterior, vertiam lágrimas copiosamente. Ele chorava de contente. Eram lágrimas de alegria e não de tristeza.

E eu, mais uma vez, não tive como segurar as minhas.

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