A decisão inarredável do Seu Zito

Chovia a embarrear as estradas nos arrabaldes de encher os baldes na roça do amigo Zito.

Chovera a noite inteirinha. Da janela do quarto onde Seu Zito dormia se podia escutar os pingos grossos de água que a chuva despencava.

Uma goteira mal educava caía justamente sobre seu narigão pontudo.

Coitado. Passou a noite em claro embora lá fora predominasse a escuridão.

Não era aquela chuvinha mansa.  E sim uma tempestade misturada a faíscas elétricas entremeadas de trovões barulhentos.

Nada se podia fazer do lado de fora daquela morada tosca.

Não restavam deudas de que a chuva, depois de meses em plena seca, seria bem-vinda por aquelas bandas.

A terra dura precisava do afago molhado de gotas incessantes de uma chuvinha criadeira.

Não de uma tempestade, repentina, que acabou acordando aquele homem que sempre viveu da renda pouca da venda do leite e seus queijos de Minas que fazia por encomenda.

Ele vivia numa terra arrendada de um médico da cidade de Lavras. Um urologista, quase em fim de carreira, embora ele mesmo pensasse, como seu saudoso pai lhe explicasse: o ócio é o começo do fim.

Aquela chuvarada toda acabou por atrasar a primeira ordenha.

Como de regra Seu Zito acordava ao cantar das galinhas. Eram elas, as penosas, como as mulheres, da cidade. Que cantavam de galo e os galinhos garnizezinhos. De cristas podadas, diziam. Temerosos, se gabando de suas fanfarronices. Que, lá em casa a última palavra era sempre deles: “sim senhora. O que tenho de fazer depois do almoço? Lavar a louça ou arrumar a cama”?

E a tal cama permanecia desarrumada. E uma surra, bem merecida e bem dada, deixava no lombo do garnizezinho marcas que permaneciam até o dia quando a chuva serenasse.

Avizinhavam-se as eleições.

Do presente dia, contando nos dedos de uma só mão, os cinco dedos apenas anunciavam a abertura das urnas. Não as funerárias. Onde o defunto já morto seria velado num velório qualquer. Sob lágrimas em cascata de sua esposa. E de uma dúzia de amantes vestindo luto. Saudosas daquele garanhão não capado. Que as fazia delirar quando na cama se deitavam a copular.

Seu Zito, depois da visita de um certo candidato, que lhe pediu socorro ao tentar descer o morro até sua casinha pequenina. E acabou atolando sua caminhonete último tipo. Comprada às custas de sua profissão nada benta. Seu Zito, por ser de bom coração. Acabou por abrigar o tal candidato a um cargo na assembleia estadual. Tinha pretensões de subir mais alguns degraus. Passando pela câmara federal. Chegando à senador da república.  E por que não a presidente?

Já que os tais, que tentavam se eleger. Um já era presidente. Um bocarroto que falava o que pensava.  E tinha uma mulher pra lá de bonitona. Uma crente que enfeitava os comícios.

Já o que tinha, pelas últimas pesquisas a preferência maior dos eleitores. Pra mim estatísticas mais falsas que uma nota de mil reais.  Era antes chamado de Sapo Barbudo. Com sua fala rouca. Enganador de mancheia. E era tido como ladrão. E acabou sendo liberto da prisão por uma penca de juízes sem juízo.

Seu Zito, naquela ainda madrugada. Do lado de fora da sua casinha cheia de goteiras. Naquele chão barrento cujo piso nunca havia sido cimentado. Foi tomado de súbita e confusa indecisão.

Se ficava dentro de casa ou enfrentava a chuvarada. Se calçava as galochas ou tirava os bichos de pé da sola dos seus dois pezinhos cascorentos.

Se saía para ordenhar as vacas ou as deixava amamentar os bezerrinhos famintos.

Ou, outro se. Se ia ou se ficava a aquecer-se nas achas ainda em brasas dentro do fogão a lenha. De umazinha trempe apenas. Onde quentava e requentava a sua marmita de alumínio furada por baixo. Um boia fria que era considerado desde menino. Quando ajudava. Ao paizinho morto. Na panha de café.

Voltando ao tal candidato. O mesmo que ali apareceu, sem se anunciar. Com um punhado de santinhos no “imborná”. Cada um com sua carapuça mais feia que urubu misturado a seriema sem pena.

E dali se escafedeu puxado por um trator de um vizinho. O qual vivia desse serviço prestado às ovelhas desgarradas. E cobrava um montão de grana forte pelo reboque.

No decorrer daquele dia. Assim que a chuva serenou. Já era quase véspera das eleições.

O mesmo Seu Zito, ainda confuso e indeciso. Sem saber em quem votar para presidente da nação brasileira. Coçando a piolhenta. Naquela careca cheia de manchas de sol. Acabou por pedir a minha opinião.

Eu não palpitei. Em assuntos como política, religião e futebol melhor ficar calado.

Cada um tem sua crença ou descrença. E respeito opiniões contraditórias às minhas.

Já o amigo Zito acabou vomitando toda a sua ira. Dizendo simplesmente isso: “se, por acaso, sair vencedor do pleito o tal candidato petista eu não tenho dúvidas. Vou-me embora pra Pasárgada. Embora não seja amigo da rainha morta. Quem sabe lá o Bolsonaro seja eleito. E, pensando melhor. Em altos decibéis. Sua linda mulher, Michele, seria a minha princesinha consorte. Nada melhor do que me mudar pra Pasárgada”.

Quem sabe eu também me mudarei?

 

 

 

 

Deixe uma resposta