Enfim juntas novamente

Quando a gente parte a um lugar desconhecido. De onde dizem que não voltamos para contar aos que ficam como é o outro lado da vida. Segundo me foi ensinado. Se, este moribundo não tem mais como voltar a viver condignamente. Não lhe restando outro caminho.  Dizem, ao constatar o óbito. Quando a cruel e incapacitante enfermidade não puder ser revertida. Quando todos os recursos da medicina forem em vão. Casos bastante comuns. Insolúveis e inexoráveis. Muitos conhecidos ou até mesmo desconhecidos acabam dizendo: “a pessoa descansou”.

E o pároco, nas suas palavras automaticamente saídas de seus lábios acostumados a dar extrema unção, acaba por dizer: “vai em paz. Pra junto do Senhor Nosso Pai”. Que os anjos se juntem as mãos e digam amém.

Ontem, quando me preparava para ir à Belo Horizonte, em uma viagem de ida e volta, recebi uma mensagem do meu primo Rogério, com estas palavras chorosas: “infelizmente Paulinho. Minha mãe faleceu as quatro horas da madrugada”.

Não tive outra reação senão esta.

Saltei num átimo da minha cama. Fui ao banheiro como se fosse um raio caído durante uma tempestade. Lavei o rosto sonolento. Nem me lembro se porventura tenha escovado os dentes. Nem ao menos um cafezinho magricela enfiei boca adentro. Vesti a mesma indumentária dependurada no cabide. Passei pela Santa Casa. Não sem antes telefonar se por acaso a minha tia querida houvesse passado por lá.

Quando me disseram um não fui subindo pela rua direita em direção à funerária. Por sorte, no meio do caminho nos encontramos. Meu primo Rogério, sua esposa Neuzi, valente companheira, seu esteio seguro. Seu amor mais maduro. Uma grande mulher. Como a minha.

A nossa conversa durou menos que a florada dos ipês. Já era hora de partir rumo a capital do meu estado montanhoso.

Durante toda a viagem, cujos passageiros eram a minha Rosa e o motorista Elias, não pensava noutra coisa senão na minha querida tia Cida.

Irmã de sangue. Cujos laços de consanguinidade extrapolavam o parentesco muito íntimo com minha mãe.

Eram não apenas unidas pela irmandade como também por uma estreita amizade. Era uma pela outra. Desde quando fui jogado ao mundo egresso do útero seguro de minha mãezinha Rute.

E como elas se davam bem.

De tanto amigas que foram a minha mãe. Quando a Rosinha nasceu. Resolveu fazer daquele anjinho.  Que já passou por tantas tribulações.  Como sua verdadeira mãe teve pelo seu caminho espinhoso. A sua filha e a do meu saudoso pai. Paulo José de Abreu. É nossa irmãzinha mais jovem. Minha e do meu irmão Fred.

Rosinha era o xodó dos meus pais.

Quando a ela perguntavam. Com aqueles olhinhos verdes, e sua cabeça embranquecida pelos anos, qual o seu nome inteiro?  E Rosinha respondia: Rosa de Lourdes Rodarte de Abreu. Sem pestanejar.

Tia Cida Rodarte Catermol Werner sempre foi uma sobrevivente guerreira.

Seu marido, Walbert Catermol Werner, debilitado por uma doença degenerativa, chamada de artrite reumatoide.  Acamado, radioamador que não se desgrudava de seu aparelho dotado de um microfone sempre levando pelas ondas do rádio boas ou menos auspiciosas notícias. Era um prestante cidadão. Mesmo enfermo como sempre o conheci.

Tia Cida Rodarte, sempre que passava pelas ruas de nossa Lavras, era saudada por quase todos como: “dona Cida. A senhora foi minha professora. E como eu amava a sua pessoa. Sempre sorridente e de ótimo humor”.

E como as tragédias acontecidas durante a sua vida longa a ela acompanharam.  Ela e o marido moravam num sobradinho onde antes era a casa do meu avô Rodartino Rodarte e de minha amada vó Belica. Era uma das Alvarengas oriundas de Perdões. Terra e berço natal de minha querida mãe Rute.

Primeiro tia Cida enfrentou galhardamente a enfermidade do seu marido.

Valente, obstinada, mulher de corpo frágil e mente forte como cerne de amoreira. Quando seu filho Ricardo, estudioso e inteligente, teve sua vida de estudante encurtada por um acidente fatídico quando cursava o ITA. Uma faculdade não apenas difícil de vencer o vestibular assim como ir adiante até se graduar.

Foi meu pai que, em viagem a São José dos Campos, que trasladou o corpo sem vida do primo Ricardo. Com um futuro brilhante a lhe acenar.

Não foram apenas rosas que a querida tia Cida passou por elas. Foram mais espinhos que propriamente flores.

Já bastante enferma, naquela mesma casa, da Costa Pereira152. Que ela e minha mãe se encontravam. O motivo não eram seus sobrinhos. E sim sua querida filha Rosinha. Que, a exemplo da mãe verdadeira já passou por tantas enfermidades. E a elas continua vencendo.

Pois creio, como médico, de contínua convivência entre a vida e a morte, que anjos, como a Rosinha, não morrem. Ficam encantadas nos encantando com sua pureza d’alma.

Tia Cida, no dia de ontem, vinte e oito de setembro, aos quase noventa e cinco anos de idade, fez, como eu fiz, uma viagem sem volta. Da minha retornei na noite de ontem. Mas a dela vai durar por toda a eternidade.

Enfim as duas irmãs se reencontraram. Num lugar pra mim inimaginável. Não tenho dúvidas que esse lugar encantado seja o céu.

 

 

 

 

 

 

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