Novo amigo no ponto do ponto quase final

Como rotular amigos? Pelos anos de convívio, pelo favor que ele nos prestou? Pelo tamanho do abraço que um dia trocamos? Por causa de, num dia de muita tristeza, ele achegou-se devagarzinho, por detrás, sussurrou baixinho ao nosso ouvido: “não fique triste amigão. Hoje as nuvens passam, pode inclusive chover, o que em verdade faz a alegria do homem do campo, pondo a perder o passeio da família da cidade que sonhava ir à cachoeira, num dia de muito calor, ali se banhar por inteiro, e nada de ver a chuva cantar sua música de tique taques no telhado de zinco, fazendo verdejar o cenário tão seco de dantes, transformando o cinza escuro num verde luzidio, assistindo, com a roupa molhada, sem a preocupação de se abrigar, ao gado deixar lentamente o curral depois da ordenha da tarde, indo ao pasto viçoso, a se fartar com o capim rico em proteínas, cobrir as costelas a mostra com uma gordura que não se vê do lado de fora, mas por dentro pode estar certo de que ela está”.

Amigos existem de todos os tipos e matizes de cores. Amigos azuis, por certo você pode encontrá-los. Especialmente num dia como o de hoje, metade de setembro, céu azul, sol amarelo ainda fresco, mais tarde com certeza ele aquece ainda mais o entorno, desobrigando-nos a usar o capote de bem cedo, mudar de roupa para uma mais fresca, logo mais a primavera sorri com seu sorriso floral, tomara a chuva logo entre em cena, em seu murmúrio lindo, trazendo gotículas miúdas em seu rastro úmido, fazendo o milagre a que estamos acostumados, bendita hora que Papai do Céu se lembra da gente, fazendo desprender das nuvens a tão ansiada chuva de fim de ano, prenúncio de um ano novo bom, pleno em fartura, preços convidativos, sendo acessíveis a tantos quantos a miséria um dia fez vítimas tantas, neste país tão lindo, pena que o fosso social nos marque com suas díspares nuanças entre os mais abastados e aqueles que olham a despensa e nada ali enxergam, a não ser prateleiras vazias.

Amigos vermelhos são aqueles que, uma vez um acidente manchou-lhes a pele sedosa com o vermelho de sangue emerso do ferimento, cuidou logo de fazer um curativo na ferida exposta, logo se observando o cicatrizar da lesão, graças a amizade vermelha que agora mesmo a intitulei.

Amigos cinzentos são amigos do infortúnio. Que só aparecem em horas ruins. São amigos também, talvez os que nos consolem nas horas infelizes, que infelizmente passam por nós, deixam cicatrizes profundas, e custam a desaparecer, na falta de uma genuína amizade verdadeira.

Amigos verdes são os melhores que já tive. São aqueles jovenzinhos que junto a mim frequentam academia onde malho todos os dias. E me ajudam a me desvencilhar dos problemas inerentes a minha inexperiência no trato com os i-phones e bluetooths da vida.

Amigos marrons ainda não sei rotulá-los bem. Deixo a vocês tal incumbência.

Inda ontem, em vias de me deslocar a uma unidade de saúde pública para onde vou feliz as quartas e quintas feiras, usando meus direitos de sênior, por não pagar o transporte coletivo, no mesmo ponto da lotação, pertinho da Santa Casa, a espera pouco durou.

Logo apareceu o ônibus que me deixaria pertinho do ambulatório médico de especialidades. A uns cinquenta metros, se tanto.

Num ponto a seguir o transporte de boa qualidade, na minha parca opinião, há os que pensam de outra forma, e eu os respeito, o ônibus parou para apanhar outro passageiro. Já  conhecia o jovenzinho de vezes antes.

Ele, não lhe sabia o nome, sempre levava um crachá, uma carteirinha atada ao pescoço, que lhe facultava andar de ônibus gratuitamente, como eu a trazia na carteira, via de regra com pouco dinheiro.

O jovem era daquele tipo especial, nascido com uma trissomia cromossômica que de repente me escapa qual numero é. A característica dos seus iguais é ter uma cara de lua cheia, olhinhos puxados, geralmente com o peso acima da média, retardo mental variável de um para outro.

Assentamo-nos em bancos contíguos. Ele trazia uma mochila de tecido, cheia de cadernos tantos.

Fui eu quem entabulei conversação com o jovem mancebo. Soube que seu nome era Gustavo. E que ele estudava na APAE. E que apreciava academia, como eu.

Recém deixara a escola, conferi as lições recebidas naquela parte da manhã. Ele era aluno aplicado, boa letra escorria-lhe no caderno pautado.

Dois pontos adiante tive de saltar do ônibus. Meu novo amigo deixaria a condução num bairro ponto final da lotação.

Hoje, manhã já quente da metade de setembro, céu azul, sol amarelo, ao me recordar do jovem recente amigo feito na viagem curta de ontem, aquele simpático rapaz, estudante da APAE, foi que aprendi mais um tipo de amigo, dos tantos que imaginava possuir. O amigo no ponto, do ponto de ônibus, ponto final.

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