“Iguarzin aquele veim”

Hoje, por volta da hora do almoço, depois de passar uma vista d’olhos nos pacientes do posto da Chacrinha (que saudade do Abelardo Barbosa e de suas mulatas tentadoras), sempre com meu Bluetooth ligado, de repente a bateria dele descarregou-se. E como me faz falta ouvir boas músicas ao ouvido atento! Embora por vezes, quando não dispunha de tal modernidade, criticava ferozmente os garotos que a mim pareciam loucos, que podiam acabar seus dias surdos como uma porteira antiga e carunchada pelos cupins.

De vez em quando alguém me para na rua e vem com uma indagação um tanto quanto impertinente. Não sabedor que, quando estou de ouvidos tapados, nada ouço senão o que deseja escutar.

Uma vez, parado num ponto de ônibus da zona Norte, pertinho de um supermercado, apareceu uma velhinha trôpega com um pedido de informação na ponta da língua: “sabe onde posso pegar o ônibus para Ribeirão”?  Foi, neste exato momento que pensei com meus senões: será que ela vai dar conta de pegar o ônibus no muque? Não seria tal veículo pesado demais para suas forças exíguas? Foi quando, uma vez desligado meu fone de orelha, a ela respondi que o busão para Ribeirão acabara de passar um cadinho antes. Mas outro deveria chegar não sei quando.

Hoje o danado do fone deixou-me a ver navios. Acabou-se a bateria, e eu, ignorante no assunto, não trouxe a caixinha cuidadora dele próprio, que serve para carregá-lo em poucos minutos.

Por isso mesmo guardei meu Blootooth no bolso da camisa azul. Com meu celular mais abaixo desta calça preta, comprada no lindo Portugal.

Como não gostaria de perder a sertaneja, pena que não se trata de Paulinha Fernandes, com quem nunca teria um caso, pois amo minha mulher, continuei ligado ao Spotify. Com ele no bolso, em altos decibéis, continuei a escutar outra música caipira, como meu personagem que ora revivo, como se um radinho movido à pilha com ele colado aos seus ouvidos. De posse de um enorme chapéu de palha. Para não encobrir-lhe a calva, pois ele era por demais cabeludo.

Foi assim que me voltou a relembrança meu avô Rodartino Rodarte. Do qual diziam que, na linda Boa Esperança, Euzinho novinho usava um terninho com riscas de giz, feito com um pedaço do pano de um terno dele.

E como andava, como notícia ruim anda, meu querido avô Rodartino. Marido fiel, pelo menos que eu saiba, desde quando com a vó Belica se consorciou em matrimônio. Ambos moravam onde hoje é o edifício Rodartino Rodarte. Numa casa elevada, a uns cinco metros do passeio, vizinha de uma caixa de água, ao começo, do lado direito de quem desce, da famosa, para mim e para seus antigos moradores, Rua Costa Pereira.

Meu avô tinha fregueses que a ele pediam uma graninha emprestada. E ele sabia, de cor e através de um caderninho de pautas miúdas, quem eram os que a ele devia. Não sei se meu querido avô Rodartino cobrava juros. Deveriam ser pequenininhos. Um tal amigo de todos, inclusive de um tio meu, o honorável Doutor Francisco Rodarte, dono de incontáveis imóveis espalhados por toda cidade, inclusive onde mantive meu primeiro consultório, o dono da Demacol, já falecido, bom sujeito era ele, foi uma das tantas pessoas boas que o Papai do Céu chamou para repartir com Ele o lugar lindo que daqui se avista. Hoje ele veste azul piscina.

Não sei se meu avozinho, pai de minha mãe Rute, que eu saiba ela era nome de marca de manteiga, numa estaçãozinha de nome Vigilato, do lado de cima do rio, que já foi grande em demasia, usava ouvir música num radinho tocado à bateria. “Iguarzinho a minha umirde” pessoa, quando meu celular não toca música caipira, por descarrego de fone sem fio.

Mas, segundo consta nos anais da minha história, meu avô, de tantas lembranças perenes, sou seu primeiro neto, o idoso sênior Rodartino passava todos os dias no banco, o qual gerenciou meu pai, para ver a olhos incrédulos e desconfiados se o dinheiro depositado em sua conta ainda ali estava. E não fora subtraído por algum destes salafrários, os que levam malas de dinheiro, pseudo-reconditamente escondidos num apartamento qualquer. Ou a salvo de olhares inquiridores da polícia federal.

E eu, sou ou não sou “iguarzin aquele veim”, o simpático Rodartino Rodarte?

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