A gente, especialmente os curiosos, como eu, atento a tudo e a todos, pode se parecer a qualquer coisa neste mundo.
Quando entro pelos portões ainda abertos da Escola Firmino Costa, em horas tempranas, como meu mais recente livro dentro daquela bolsa escura, e peço para falar de literatura e urologia aos alunos de um estágio mais alto, fim do segundo grau, e logo, para chamar-lhes a atenção, já que a mestra de português me deixa em estado de alerta dizendo que os meninos ficam bastante dispersivos naquela hora bem cedo, começo a fala tentando me fazer entender em alemão. Para a seguir recomeçar a prosa em inglês castiço. Como terceira opção entro com o italiano. Aprendido quando em Roma. O espanhol madrilenho, de quando ali morava, estudante de pós-graduação em urologia, talvez seja o mais compreendido por todos os brasileiros. Mas não pensem em misturar o português ao espanhol. Fica uma coisa horrenda o tal portunhol. Num bom francês, resultado de uma vista fugaz a Côte D’Azur, tomo como outra chance de chamar-lhes a atenção. Mas, dentre todas as linguagens tantas a qual me sinto em casa é a mineirez descomplicada, onde se fala uai e trem bão.
Para que não me tomem como inventivo e inventador de causos a professora Luiza está lá na escola para comprovar-me o escrito. Todos os não sei quantos alunos emudeceram a boca, ouvindo atentamente a aula. E não deram um pio de coruja madrugadora durante a leitura de uma crônica. Seguido de interagir-me com alguns deles, durante as noções a eles passadas sobre a minha especialidade urológica. Principalmente nos assuntos de maior interesse aquela faixa etária: fimose, doenças sexuais masculinas, testículo fora da morada, dores nas partes baixas e por aí caminha a humanidade, tendo como foco de atenção o jovem varão. Mas não os deixando pensar que Urologia não é apenas médico de homem. Pois é bom lembrar que mulheres têm muitas crises de infecção urinária, cálculos nos rins, e tumores nascidos em suas vias urinárias.
Depois de estas, e aqueloutras manifestações de ser tudo dentro da miudeza do que sou, dizem, com sobriedade, quem tudo se diz não consegue ser feliz. Isso de se parecer aquilo, ou aquela, dentro da gente tanto pode se alojar o sexo masculino e o feminino, hoje, primeiro de outubro, quente com indícios de chuva ao entardecer, ao caminhar como um desatinado, correr bem cedo não me foi possível. Pois, embora o desejasse muito tive de ir devagarzinho junto a minha companheira de tantos anos, ao passar pela praça central, bastante animada naquela hora, avistei uma faixa dizendo ser o dia de hoje dedicado ao idoso.
Já passei dos sessenta e sete. Em três meses inauguro idade nova. Caminho a passos largos aos setenta. Daí a mais anos não sei quantos serão, para deste mundo lindo me despedir. Sei que um dia irei enfeitar com meus ossos brancos algum campo santo. Como bem sei que um dia, anda bem que sem data precisa, levitarei a algum lugar. Bem no alto, tomara que junto aos meus pais e entes queridos.
Podem me chamar de velho. De idoso, de sênior sei que sou. Essa palavrinha tão sonora está escrita numa carteirinha plastificada, a qual uso todo orgulhoso ao tomar o ônibus circular. Quando dele careço. Embora consiga correr longos trajetos, como há meses sucedeu, inexatos cinquenta quilômetros, de Ijaci a Ibituruna.
No dia de hoje, domingo, primeiro de outubro, data em honra e glória dos de mais idade, gostaria que as homenagens não ficassem apenas nos parabéns a nós dirigidos e sim em atitudes verdadeiras no nosso cotidiano sofrido, assim que passei por uma rua das minhas lembranças eternas, a Carlota Kemper, em direção a outra que fala mais perto ao meu passado, Costa Pereira, voltei os olhos em direção a um casal simpático acompanhado de uma menina linda, presumivelmente sua filha.
Perguntei ao rapaz, deveria ser o feliz marido e ao mesmo tempo o pai, de uma prole ainda pequena, se eles não me dariam os parabéns por ser hoje o dia do idoso.
Foi a mulher quem me respondeu, com um radiante sorriso na face, depois de me olhar da cabeça a ponta dos pés. Eu estava em uso de meu celular musical ligado ao meu par de orelhas por um Bluetooth poderoso. No punho esquerdo usava meu aple watch número dois.
“O senhor em absoluto não é um idoso. Muito menos velho. Não parece”.
Deixei a Rua Carlota Kemper numa ilusão perdida. Passei pela Costa Pereira, a Rua dos Rodartes. Onde curti minha doce infância, que os anos não trazem mais.
O que o simpático casal afirmou, procede? O seu amável “não parece” parece verdade?
Olhando daqui do alto, do décimo sétimo andar do meu consultório, onde o escritor acordado sonha, creio, dentro da minha descrença, que parece sim…