O pai do gol

Onde tá aqui e onde tá tu?

Tatu aqui

Onde está tu?

Tá tu lá no buraco

E tu? Onde está tu?

Tatu aqui tatu acolá

E tu? Está aqui ou com tatu?

Ta tu lá comigo

E tá tu acolá

Agora cadê ta tu? Tá tu noutro lugar?

Cadê tá tu? Tatu tá aqui…

E tá tu aqui ou tá tu acolá?

Já eu prefiro você. Ou vosmecê. Conforme se diz na roça.

Eu não tenho costume de escrever na segunda pessoa. Como os poetas proseiam.

Entre tu é você nada como aquele com acento no e.

Tatu é um bichinho simpático. Com a casca dura como a pele de gente da roça exposta ao sol inclemente do meio dia. Que cava buraco na intenção de se esconder dos predadores. Ou então, avexado como sempre foi, esconde a cara feiosinha na tal casa feita de casca dura, resistente às mordidas do lobo mau, com aquele rabinho rabicó, dizem que sua carne é bastante apreciada, embora nunca a tenha provado, caçado e encontrado tanto nas roças, a procura de insetos, dotado de uma armadura tal e qual usavam os cavaleiros medievais, que se alimentam de insetos e cupins, mas ele gosta mesmo é de uma saladinha, já que os vegetais compõem noventa por cento de sua dieta, inclusive frutas, tubérculos e sementes.

Uma vez perguntei, a um chegado da roça: “Seu Benedito. Como ta tu”?

E ele me deu uma resposta, malcriada, mostrando a banguelice mil e um, desse jeito, desapaixonado por mim: “eu tô bem mior que o sinhô. Vosmecê parece meu paizinho, ou seria meu vozinho? Ambos os dois já estão no céu. O sinhô já deveria ser prato cheio aos urubus. E ainda tá por cá. Não tem vergonha de ficar atazanando a gente? Com essa prosa ruim? Vê se te vê. Vai perguntar pro tatu como tá ele. E, cuidado para elezinho não levar vosmecê pra aquele mesmo buraquinho. Tomara que tenha serventia pra enterrar seu corpinho já bem gordinho. Já que tu não presta nem para enterrar tatu”.

Dali me escafedi com o rabinho entre as pernas. Fugi da raia mesmo não sendo nadador.

Nunca mais vi seu Benedito. Oxalá Deus o tenha em bom lugar. Bem melhor que onde estou. Nesta hora quase madrugada, na minha oficina de trabalho, onde exercito as minhas escrevinhanças, desde anos e anos passados.

Por falar em tatu, quem de vocês conhece a nossa vizinha, aqui pertinho, a mais de alguns passarinhos de lonjura, depois da ponte do rio Capivari, cidadezinha que pouco espicha, cortada por creio de três rios, onde nasceu, e pouco viveu, um grande narrador de futebol, ícone nas bandas de São Paulo, onde, um dia, em Campinas, quando fazia uma corrida de taxi, quando,  o atencioso motorista me perguntou de onde eu vinha, ao dizer que morava em Lavras, pertinho de Itumirim, ele arreganhou o semblante, numa mistura de perplexidade e admiração, voltou a prosa em direção a este homenageado, nesta crônica de hoje cedo.

“O senhor conhece o Zé Silvério? Tatu, para os íntimos? Como eu, e tanta gente deste estado, tem por ele sonora admiração. Zé é o maior locutor esportivo que já escutei na Jovem Pan. Penso que nos dias de hoje ele narra jogos noutra emissora. Se não me falha a memória agora ele tem um contrato de exclusividade com a Band. Não acredito que o senhor o conhece. Já apertou a mão do meu ídolo maior? Ah, se assim Deus me permitisse. Seria a honraria maior que Deus poderia me agraciar”.

Quase no meu desembarque, na rodoviária daquela linda cidade, o taxista apertou-me a mão e fez questão de não me cobrar a corrida. Sob a alegação de que minha pessoinha insignificante era digna, e não apenas, e tão somente, ser vizinho de cidade do grande locutor, inigualável na sua voz de um soprano, ou, melhor dizendo de um tenor, que seja de um barítono,  jamais iria me cobrar a viajem, se bem que curta, desde que eu consiga uma fotografia de nós dois. Eu e o Zé Tatu, lado a lado, num selfie bem feito. Bem melhor ainda que suas locuções inspiradíssimas. Eu agradeci a gentileza dizendo que gentilezas se pagam com cortesias.

Zé Silvério, creio que de sobrenome Andrade, nasceu pobre.

Na vizinha Itumirim. De onde não sei qual a figura mais notável que ele ali deixou o umbigo enterrado, que seja debaixo de uma bananeira que já deu cacho? Ou num galho mais fino, lá nas grimpas de uma jabuticabeira, cheinha de marimbondos e maritacas palradeiras, que gritam mais alto que o pai do gol anuncia quando uma bola redonda estufa as redes de que time for.

Confesso não saber por que clube de futebol ele torce. Se um dia perguntei do outro lado não obtive eco.

Creio ter sido a primeira visita que o amigo Zé Silvério, da prateleira bem no alto, no último e derradeiro degrau da escada que tenta ir até o céu, naquela casa amarela, no mesmo condomínio onde morei, onde ele chegou, de mala e cuia, em companhia de sua esposa debilitada, que só se deslocava em cadeira de rodas, vítima de pertinaz enfermidade, pouco tempo depois a vi se mudar daquela casa amarela, rumo a outra vida, no azul do infinito, morada de Deus Pai, Senhor dos céus e da terra, numa breve parada para tomar um cafezinho magricela, de uma máquina cafeteira de marca Illy, creio que nem exista mais.

Fui ainda seu vizinho no bairro centenário. Muro a muro com a enorme residência que o Zé Silvério Tatu adquiriu do meu colega doutor Hélio Haddad, um baita profissional da ginecologia e obstetrícia, da saudosa maternidade Orlando Haddad, nome posto em homenagem ao seu notável pai.

O pai do gol agora, já meio jubilado, mudou de amor e de casa. Agora ele ela, a bela Rose, metamorfoseiam serelepes entre São Paulo, Barueri, Lavras do Funil, que a represa ingeriu, e aquela cidadezinha onde ele nasceu, a bucólica Itumirim.

Ontem, na casa do meu genro, e da minha filha Bárbara, e dos meus dois netinhos, lá brincava o ciclista e quase tenista Gael, tive a felicidade, nome pelo qual eu batizei a minha nova égua, de entabular um dedal de prosa com o culto e erudito, agora mais contrito e pensativo, o admirável Zé Tatu Silvério.

Com ele aprendi que a gente carece de mais ouvir a emitir opiniões. A falar baixinho. A manter as mãos desocupadas. Que em boca fechada não entra pernilongos nem moscas entronas.

Que o silêncio vale muito. E palavras de baixo calão não esquentam as chamas da lareira. A qual deve se manter apagada neste inverno quente.

Zé, um nome simplesinho, igualzinho ao Mané, ou ao até mesmo ao Quinzinho, já teve um passado recheado de glórias e celebrações. E bem que merecidas.

Agora considero o pai do gol uma lenda vida.

E, no infausto dia quando ele tiver de morrer, faço das minhas palavras as suas.

Que o sepultem ao lado de uma bandeira tremulando. No mastro mais imponente seja de cá, do buraco do tatu, ou do outro lado de lá, na sua tranquila cidadezinha onde ele nasceu.

A cidade que o espera, com o microfone aberto, nunca desligado, na rádio Itumirense. Não sei existe a tal.

Já vi, naquela mesma casa amarela, o grande Zé Tatu locutor, descrever, com sua voz maviosa, como o canto do rouxinol, gols, jogadas geniais.

E espero, se depender do meu desejo, que o amigo Zé Silvério tarde muitos anos mais a ter de irradiar jogos de futebol no time da primeira divisão, se é que existe, entre o Deus pai, como goleiro, anjos e querubins, em animadas partidas nos campinhos verdinhos, onde meu pai, minha mãezinha, Rute, façam parte da torcida organizada vestindo a camisa dos meus anjos protetores.

O pai do gol se chama Zé Silvério Tatu. Pra quem não o conhece vejam o selfie que no dia de ontem postei no meu Face. Paulo Abreu. Que sou eu…

 

 

 

 

 

 

 

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