As dúvidas do Zé Permuta

Também chamado por Zé Catira, Zezinho Escambo, Zé Indeciso, Zezinho Troca-troca, Zezinho Leva Manta, Zezinho Mijão, e outros epítetos mais, que me escapam pelos neurônios. Tal a infinidade deles.

Hoje, dia nove de agosto, ainda escuro, como sempre aqui cheguei, bem antes das seis da manhã.

Abri a porta de vidro do edifício das clínicas. O gentil porteiro ainda não havia chegado.

Ainda ignoro se vai ser o atencioso Renildo, o qual ainda presta serviços como eletricista, ou ainda, o Seu Zito, retireiro que ainda muge de saudades de suas vaquinhas tatus com cobra mansa, naquele curral, ou enlameado, ou cheinho de esterco curtido, prontinho a distribuir, lá no alto, na intenção de misturá-lo à terra seca, adubo gratuito e garantido, no lugar onde vão  ser semeadas sementinhas  de milho, quando a chuva der as carinhas em seus pingos tão sonhados.

Não pedi ao elevador que me conduzisse ao sétimo andar. Apertei o botão do quinto.

As luzes acesas, nesta hora tão prematura, indicavam que o espaço fitness, do meu amigo Bruno, já deveria estar em funcionamento.

Adentrei por aquela porta do mesmo vidro blindex igualzinho àquele da portaria.

Do lado de dentro contei três frequentadores. O fisioterapeuta barbudo, dono daquele espaço, e três pseudo atletas que tentavam melhorar a performance.

Entre eles identifiquei o professor de odontologia, especialista em canal, com olhos arroxeados, logo pensei ser o motivo de tal hematoma fosse devido a um soco, que porventura ele tivesse sido agredido, mas logo desfez-se a minha desconfiança, pois sua amada esposa estava ali pertinho, e outro, de mal com a balança, o tal gordinho que tem um estacionamento na parte de cima da cidade, e, de novo no elevador aqui parei no meu sétimo andar.

A antessala estava vazia. De luzes apagadas. Ainda imperava a escuridão.

As dúvidas sempre me apoquentaram. Se me dirigia por aqui ou por acolá. Se entrava pela contramão da vida ou, ao revés, ia pela via certa. Se me casava ou comprava uma bicicleta. Se escrevia crônicas ou romanceava. Se seria médico ou motorista de ambulância. Se por acaso seria festeiro ou eremita. Se me casaria com a mesma Rosa ou com uma Margarida.

Há dias, semanas, senti meu corpo todo encalombado. Eram sinais inequívocos de que um, ou vários, carrapatinhos micuins no meu corpo deixaram suas marcas. E que coceira gostosa sentia. Nadica de nadinha contribuía para amenizar aquela situação apetitosa. Até hoje desfruto dela.

As minhas indefinições me inquietavam. A coceira, que me fez acordar cedo, nesta manhã tão linda, começou pelos meus sofredores pés.

Calombos coçantes indicavam que por ali andaram os tais micuins. Fiz de tudo para que a coçação tivesse seu desfecho. A tal pomadinha, indicava por um amigo, não deu resultado. De tanto coçar deu-me um calo na palma da mão. E a deuda persistia. Se por acaso, quando a coceira se manifesta na palma da mão significa dinheiro à rodo? E quando a tal começa e não termina na planta dos pés, quer dizer dívidas em atraso?

Até agora não sei. Pois tanto tenho dívidas assim como as contas não param de chegar. Dinheiro, que é bom, nem sinal.

Na minha rocinha encantada, onde o galo canta, mas quem manda é a galinha (não carece de dizer que em minha casa se passa o mesmo), mora um caboclo tinhoso, de estopim prestes a explodir.

Zé Permuta, conhecido por vários e variados, epítetos, já listados acima, tinha mais que duas dúzias de dúvidas a queimarem-lhe os miolos, sempre em ebulição.

Em primeiro lugar não sabia identificar entre uma égua no cio e a outra que, naquele verão chuviscoso, se deixaria montar pelo garanhão. Acabou optando pelo cavalo inteiro.  Que lhe deu um coice certeiro na zona do agrião.

Se se casasse, naquele ano, não teria onde morar. Até a idade que lhe cavalgava os costados não sabia se casava ou andava a pé. Decidiu-se pela primeira opção.

Um dia, à porta de sua casinha alugada, a qual não pagava o aluguel, por ali passou uma prenda de uma linda mulher. Por ela se enrabichou. Melhor dizendo por ela se enamorou.

Foram anos de puro deleite. Não que ela desse leite. Vaca não dá leite. Tem de tirar, espremer as tetas, e olha o trabalhão que isso dá. E por vezes o preço do leite não compensa. Pagam menos por aquele líquido branquinho, de sabor incomparavelmente saboroso, rico em nutrientes, bem menos que uma garrada de Kaiser quente.

Zé Permuta, podem chamá-lo por Zé Catira, ou Zé Escambo, que ele não chia nem rodopia. Ele é de bom humor. A não ser que o pilhem com a vó cagando atrás de um toco oco.

Passaram anos e desenganos. A mesma linda mulher, depois de a ele presentear com uma penca de filhos, engordou à barrigas descidas. Cultivava olheiras e celulites. O lindo cabelo negro embranqueceu. Os olhos claros foram perdendo a cor até que a catarata a eles cegou.

Num certo ponto da encruzilhada aquela relação conflituosa sem transformou numa guerra fratricida e mortal. Só faltava o punhal que lhes ensartasse os corações não mais apaixonados.

Era pegar ou desatarem os nós.

Foi o que Zé Escambo fez. Pediu a separação. O divórcio foi discutido e não chegaram a um acordeom. Ou seria um acordão? Pra mim tanto faz como tanto se desfaz.

Um mês, um ano inteiro, se fez ausente.

Zé, que seja Catira, Permuta, ou Escambo, passou a desfrutar a solteirice que já havia provado dantes. Mais uma vez se viu só.

Mas, homem, sem mulher, não vive nem sobrevive. E mais uma vez aquele mesmo Zé acabou pedindo penico a outra fêmea.

Deixou aquela linda mulher, que, de repente, não mais que num repente, perdeu a formosura e se embarrigou, não mais via os pés. Em trocadela (perdoem-me o trocadilho), amasiou-se com outra. Só não sabia que a sabidinha era muié de vida fácil. Já havia se deitado com não se sabe quantos garanhões das quebradas. Por sorte não havia se embarrigado pois nunca transou sem camisinha. Não teve filhos nem filhotes. Pelo menos que soubesse.

Mais uma vez o tempo passarinhou. Agosto se transformou em setembro. Dezembro se fez inteiro. E eu ganhei mais um aninho.

Agora, neste dia lindo de agosto, agora o sol se levantou, bocejou, lavou o rosto amarelo num amontoado de nuvens cinzentas, soube notícias do Zé Permuta.

Ele estava numa sinuca de bico. Se ficasse sozinho não saberia cozinhar nem cozer. Não dormia desacompanhado. Não tinha com o travesseiro sujo boas relações de concubinato.

Se ficasse como estava não se aguentava. E se casasse novamente não tinha renda para manter mulher. Eram dúvidas sobre deudas.

E agora José? Se a mula manca não consigo ferrá-la.

Quem vai ferrar a mula manca, quem há de ser? Se não vai ser você muito menos eu…

 

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