O dia em tive a primazia de conhecê-la

E como chove gostoso nesta manhã de quarta-feira, dez de agosto.

Em agosto os ipês mostram flores, amarelas, depois as roxas, a seguir, em nossa região, estas árvores se engalanam de brancas e radiantes, ainda com flores vivas que descem ao chão, atapetando a terra ressequida, ou a relva esmaecida, parecendo que o dedo de Deus ali se manifestou, fazendo da natureza uma linda aquarela, em pleno inverno, ao qual sucede a primavera, a mais eloquente e colorida estação que conheço.

Quase uma agradável coincidência.

Exatamente no mês em que estamos nascem, desabrocham, metamorfoseiam-se, transformam-se, aqueles amontoados de letrinhas miúdas, que depois são perfiladas em palavras intimamente ligadas umas às outras, para, quando a coragem me assalta, tenho a ousadia de editar livros, pena que neste país continental livrarias fecham as portas, leitores de livros impressos escasseiam, e muitos consideram o preço de um bom livro exagerado em excesso.

Já conheci a infância. Quase perco anos de quando ela passarinhou.

Já perdi a conta de quando meus saudosos pais se foram. Ainda tenho, enraizado dentro do meu âmago, o dia amaro quando eles partiram rumo a um lugar pra mim ignorado. Talvez seja lá no alto. Bem lá em cima. Mais alto que onde urubus avoam. Mais ainda que as andorinhas, em bando, batem asas, pois solitárias elas não fazem verões.

Já passei por tantas coisas e loisas.

Já aprendi a engatinhar. Depois, sob a tutela dos olhos de minha mãe, passei a colecionar galos na testa. Seja na quina da mesa. Ou na ponta de uma cadeira qualquer.

Já conheci a alegria. Pena que a tristeza logo veio atrás.

Já passei por momentos inigualáveis. Quando, há seis anos passados, naquela maternidade do hospital onde dei o melhor de mim, despontou para a vida meu primeiro neto. Naquela vez chorei. Não de tristeza e sim de felicidade.

Já conheci pessoas que pra mim acrescentaram algo de útil. Foram pessoas tidas como achados. Não machados que cortam galhos, e derrubam árvores pelo tronco ainda vivo.

Reconheço, e muitos pensam da mesma maneira, que talvez eu seja um pouquinho louco.

E quem sabe me dizer qual a distinção entre insanos de verdade e gênios que a humanidade, desumana, tentou colocar em camisa de força, quase incinerando aquelas pessoas na fogueira, ou na forca verdadeira, e passaram a aplaudir aquela hora funesta.

Creio que ela me foi apresentada em bebê. Era uma bebezinha linda. Clarinha como uma pétala de rosa branca. De pele macia ao toque.

E seus pais eram vizinhos daquela casa onde morei. Pra onde cheguei, ainda menino, nos idos anos de um mil novecentos e cinquenta e cinco. Oriundo da terra que Lamartine Babo imortalizou na sua serra da Boa Esperanca, esperança que encerra, no coração do Brasil.

Ela é filha de um irmão de minha mãe. Notável causídico, caridoso, distraído, não arredio, que frequentava aquela mesma praça de esportes, onde, tempos idos, lá ia meu tio Chico, enrolado a uma tolha, sem nada a cobrir-lhe o decoro, peladinho, com a mão no bolso?, lendo um jornal, e, distraidamente caía na piscina, ainda profunda e de água enregelantes, quando ainda existia um trampolim gigante, e, por não saber nadar, se alguém não se atirasse na água, meu pobre tio certamente não estaria vivo para contar as peripécias por que passou.

A essa prima fui apresentado há tempos pretéritos.

Elazinha, se não me fracassa a memória, era a mais formosinha entre todos os três irmãos.

Lourinha, de traços finos, nariz aquilino, olhos meio esverdeados, pernas finas como assinam os Rodartes, e que lindeza ainda o é a prima Nise.

E que perrengues ela passou.

Foi casada. Embarrigou-se de dois filhos. Que cresceram tal e qual um pinheirinho, que, quando maiorzinho, foi cortado rente, do lote onde morava, e o transformaram numa linda árvore de Natal.

Conheci a prima Nise, não lhe conto a idade, pois seria falta de cortesia com alguém tão bela, quando ela ainda morava ombro a ombro, paredes grudadas, a outras paredes, da casa dos meus pais.

E nós crescemos juntos. Talvez tivéssemos brincado de médico e paciente nalgum lugar, envolto em mistério, em nossa infância perdida na lembrança, pena que o tempo não volta atrás.

A prima Nise e eu, mais velhinho, tomamos caminhos díspares. Eu optei pela medicina. Ela por se tornar mãe.

Anos passarinharam velozes como o vento agostento.

A prima Nise teve dois filhotinhos, passarinhos que logo deixaram o ninho maternal e aprenderam a voar pelas próprias asinhas curtas.

Tempos depois do seu matrimônio ela, ou seria ele, decidiram, creio em comum acordão, que iriam cada um pro seu canto. Não sei se foi por falta de amor ou foi o desamor que os desuniu.

O certo é que a prima Nise, que também assina Rodarte, até a presente data não só e minha parenta, chegada, em primeiro grau, como ainda desfrutamos de uma sólida amizade.

De vez em quando a visitava. Naquele apartamentinho minúsculo, onde ela vive solitária, a espera de que sua netinha linda ali chegue, sem avisar.

Passava por lá, naquela ruinha inclinada, nas proximidades do Caique, onde ela lecionou por anos e anos a fio, em direção à Ribeirão Vermelho, quando ainda me aventurava em corridas de rua, ainda vou voltar, se Deus me permitir.

Não me lembro bem de quando tive a primazia de tê-la conhecido.

Foi há muitos anos passados.

Mas ainda nos encontramos. Lado a lado. Unidos não só pelo parentesco. E sim por amizade genuína.

Ainda ontem fui, com a prima Nise, até à minha rocinha encantada. Chegamos à minha nova morada. À beira do lago do Funil.

Espero não ter sido aquele o nosso derradeiro encontro. E eu ela nos prometemos, mutuamente, de novo nos vermos, em data recente.

Pra mim é um prazer inenarrável estar com você. Minha priminha do coração.

Fica cá, nesta crônica de hoje cedo, os meus sinceros desejos que ambos seremos felizes, se não para sempre, até o final deste dia chuvoso.  Deus nos abençoe…

 

 

 

 

 

 

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