Já pensei em comprar uma casa enorme. Com muitos quartos, uma piscina de dimensões olímpicas, lá dentro me perdia, uma sauna tão grande quanto o coração de uma mãe, um espaço, nos fundos desta mansão, dotado de quadras de tênis, onde se poderia, perfeitamente, assistir, confortavelmente, da arquibancada, com a mesma lotação que se pode ver em Roland Garros, ou símile, não sei quantos cômodos de banho, com uma banheira de ofurô enorme, uma ducha caprichada, onde perfeitamente poderiam se banhar duas dúzias de casais, uma cozinha, aliás, dezenas, com fogões a lenha crepitando, fogões de labaredas saltitantes, à gás, não importa o preço cobrado por um botijão, já que pra mim, afortunado, rico a encher piscinas de dinheiro, como o Tio Patinhas, e, ainda nesta casaréu, por muitos considerado assombrado, eu, solitário, meio eremita, poderia dormir confortavelmente abrigado, em não sei quantos quilômetros quadrados, nesta vida passageira, onde nós somos apenas viajores, e aqui estaremos por tempo indeterminado.
Teria renda suficiente para viajar ao estrangeiro. Não sei quantas vezes ao ano. Pois, no meu entender, o que vale não é a fortuna acumulada em vida. E sim os amigos que porventura tenha colecionado.
Nem sempre fui assim. Modesto, irrequieto, instável como o tempo se mostra neste mês de agosto.
Já fui mais presa do afogadilho. Só não me afoguei nas ondas do mar pois fui ensinado a nadar.
Nem sempre consegui escrever uma só linha. Naquele caderninho pautado, cuja professorinha, aquela que me ensinou o baba, fazia rabiscos nas entrelinhas. Ela tentava e retentava me corrigir. E eu, furibundo, tinhoso, pra lá de teimoso, perseverava nos meus senões. E não permitia que me puxassem as orelhas. Talvez, por esse mesmo motivo, eu as tenho retinhas, por baixo das minhas têmporas grisalhas, do que sobrou do meu topete alto.
Nem sempre tive paixão pelo dinheiro como nutro pela vida. Agora quaisquer mil reizinhos me satisfazem.
Antes, topetudo, operador polaco, nos tempos idos quando aqui apeei, vindo da bela Espanha, sem ter ido às touradas de Madri, corria, não pelas pernas, de carro, entre os três hospitais. E não dormia por causa do velho telefone fixo. E como ele tilintava estridente nas minhas orelhas escutadeiras. Não tinha um minuto de sossego. Nem sempre dormia a sono solto.
Já hoje, na aurora da minha vida, perdida a inocência no colo quente de uma babá que cuidava dos meus passinhos incertos e inseguros, a inesquecível Hortência, só faço o que me dá na veneta.
Tenho um primo, que trata de varizes e suas consequências maléficas, hábil com um bisturi e ultrassom nas mãos, Neto, que, um dia me definiu como Paulo Rodarte, o indomável.
Nem sempre sou como um cavalo xucro. Ou um garanhão das quebradas. Sou de fácil doma. Desde que, quem se atrever a me montar, em pelo, peça licença, e, com jeitinho permito que me ponham o cabresto, entre freio apertado no queixo duro prefiro o bridão.
Nem sempre fui assim. Ou assado. Prefiro comer carne de churrasco ao ponto. Nem aquela que sangra. Muito menos aqueloutra meio queimada, com cheiro de porco sapecado, mortinho inda pouco, prestes a ser pururucado.
Nem sempre fui ignorado.
Justamente agora, assim que comecei a escrever, com tamanha fúria literária, onde passo pessoas me cumprimentam. Algumas sorriem pra mim. Espero que não riam da minha cara.
E este sorriso seja uma mistura de admiração com entusiasmo. Pois não é todo dia que se pode ver um escritor andando pelas ruas. Nem autografando seus livros como um tal outro. De maior fama. Injustificada. Com o primeiro nome igual ao meu. Só que eu não assino Coelho. E sim Rodarte de Abreu.
Nem sempre a vida sorriu pra mim. Muito menos ela fica emburrada, à mercê de tantas crônicas postadas, tantos livros editados. Dia vinte, vindouro, nasce mais um. Leia com meus olhos, vocês são intimados a comparecer. No bar do Juliano. No LTC.