O menino que apagava estrelas

Hoje, doze de agosto, nasceu frio, escuro, mal consegui ver nenhuma estrelinha no alto.

Parece que elas se esconderam em algum lugar.

Em menino, caçando vagalumes na rocinha de umas tias avós, pelas quais tinha o maior apreço, aparentadas a minha saudosa mãezinha, que hoje se transformou numa estrela de brilho maior, que saudades ela ainda me inspira, aquelas tias velhinhas, abrigavam sobrinhos netos, já que ambas não se casaram, e nos considerava como se fossemos verdadeiros netinhos. Quando a gente passava as férias de final de ano lá, na fazendinha da Cachoeira, município de Perdões, naquela casinha tosca, e saborosa de amor e qualidade de vida, como não havia chuveiro, que fosse movido à eletricidade ou por força de alguns painéis solares, era numa baciona enorme  que a gente, molequinhos ainda, de vez em quando nos banhávamos, e as nossas queridas tias avós, Mariana e Leonor, ensaboava as nossas perninhas grossas ( as minhas eram assim), lavava as nossas bundinhas sujinhas, pois era atrás de uma moita de bananeiras que a gente usava como latrina, mal limpos os nossos traseiros, carecia de uma higiene maior.

Revezávamos meninos e meninazinhas. Pois, naqueles idos anos, não se acostumava misturar os sexos. E, se o fazíamos era às escondidas. E ai da gente se fossemos pilhados em fragrante atrás de uma matinha ensombrada, peladinhos, brincando com as nossas priminhas quase inocentes de doutor e paciente.

Foi naquela mesma fazendinha, onde um pequeninho fogão à lenha existia. Era uma cozinha não tanto espaçosa como a que existe nos dias de hoje em minha roça. Na zona rural de Ijaci.

Era no rabo daquele fogãozinho, onde as chamas crepitavam, e o fogo sempre aceso, desde cedo, ajudava a nos aquecer no inverno, quando as temperaturas oscilavam entre dois e menos graus.

Eu dormia no quarto da frente. Dois leitos, cobertos por edredons feitos com retalhos da minha infância, eram disputados com mais dois amiguinhos aparentados. Todos oriundos de Perdões.

Durante a luz do dia alguns de nós, entre eles me incluo, mal se abria o sol e lá íamos caçar rolinhas desavisadas, usando estilingues feitos pelo Tio Júlio, o mesmo que me ensinou que vaca não dá leite de graça. Pois, aquele líquido branquinho e espumoso, pra encher o balde, deve-se espremer as tetas, alimentar a mãe vaca, amarrar o bezerrinho, sempre faminto, na perna de trás de sua mãezinha berrante. E, quando menos se espera cuidado com o coice. Ou ainda pode acontecer que a mãe vaca, durante a ordenha, levanta o rabo peludo e faz xixi, quase se misturando ao leite, que no dia seguinte vai pro lacticínio, por vezes misturado à água da mina, onde, por vezes, um lambarizinho de rabo vermelho, quando o queijo é feito, aparece lá dentro. Ainda saltitante e vivinho. O queijo feito inda pouco é devolvido ao produtor. Mas o lambari fica. E ainda serve como isca na pesca de peixes maiores, no mesmo rio que escorre pro mar.

Foi na fazendinha da Cachoeira que aprendi a montar a cavalo. Penso que foi meu saudoso pai que me ensinou.

Naqueles anos, quando a inocência me ensinou a não pecar, depois me arrependi, pensando melhor, de que vale um pecadinho nanico, olhar para as perninhas grossas de uma priminha que olhou pra gente com olhares maliciosos, deixando patente que gostaria de nos beijar na boca, e eu segui em frente. Afrontei a castidade com minha primeira babá. Que Deus tenha a Hortência em bom lugar.

Ainda me lembro de quando caçava vagalumes. Ia, durante as noites escuras, à falta da luz da lua, andando, olhando, aqui e acolá, tentando encontrar aquelas luzinhas piscantes, de vez em quando eram duas. Com máxima cautela, assim que encontrasse as duas luzinhas, com as mãos em concha apanhava-as de chofre. E os dois pirilampos olhavam pra mim, meio abobalhados, assustados, e me diziam: “tenha dó de nozinhos. Somos namoradinhos. Prestes a nos acasalarmos. Ela, por baixo de mim, é a vagaluma Suzana. Euzinho sou o Paulinho, não assino Rodarte de Abreu. E, assim que você se divertir, levando-nos dentro de uma caixinha de fósforo, por favor, não a tampe por completo. Tenho asma e elazinha sofre de bronquite alérgica. Não nos deixe morrer por falta de ar”.

E eu assim o fazia. Minutos depois, na varanda da casinha na fazendinha da Cachoeira, abria a caixinha de fósforo, e soltava o casalzinho. E eles, tempos depois, me deram três netinhos meninozinhos: Theo, Gael e Dom.

E ainda me lembro, nas noites escuras e cheia de estrelinhas miúdas, perambulava pelos pastos, pelas estradas poeirentas, a olhar pro alto. Sabia de cor e salteado o nome com que as estrelas foram batizadas. A Estrela Dalva era a minha predileta.

Um sujeitinho, muito imaginoso, como ainda sou, já velhusco, embora não tenha deixado a criança que inda mora dentro de mim morrer, de vez em quando, durante as noites estreladas, vou admirando o céu.

Aponto o dedo o qual uso para examinar a próstata, pro alto, e finjo que estou apagando estrelas. Apago uma. Afago outra. E assim o céu vai perdendo a luminosidade.

E, de repente, repentinamente, escurece tudo ao derredor.

Aquele mesmo menino que tentava apagar estrelas sou eu.

 

 

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