Nem tudo está perdido

Entre perdidos e achados encontrei dois meninos.

Meus vizinhos bem de pertinho.

Ambos têm o costume de lavar carro, numa garagem, num prediozinho feito pelo avô de um deles.

Bem me recordo do Seu Fausto Pedroso. Foi ele mesmo quem, quando tinha um lote, neste beco sem saída, logo defronte à rua, nesta sala ampla, do prédio onde ainda exerço a urologia,  onde escrevo, sempre antes que o sol abra seus olhos amarelos, ainda sob a ressaca de ter passado a noite em claro aos beijos e abraços com a lua, aquele senhor, já falecido, que, em tempos pretéritos foi meu paciente, bom negociante, melhor amigo, recomendou-me que, naquele mesmo terreno, onde foi edificado um prédio onde moravam dois dos meus netinhos, agora vivo eu, e minha amada Rosa, ao revés de continuar com meu estacionamento, coberto com telhas toscas, de cimento amianto, num dia de ventania intensa o telhado desabou, e que prejuízo me causou, quase destruindo dois carros, sob a minha inteira responsabilidade, e o mesmo amigo Fausto, já soterrado sob dois palmos de terra, penso, repenso, que não foi uma boa ideia aquela por ele recomendada.

Melhor estou agora. Morando onde gostaria. É só dar alguns passinhos, miúdos, e aqui me encontro. Em todas as manhãs. Em plena madrugada. Já que acordo ao cantar do galo e ao empoleirar das galinhas.

Nem tudo está definitivamente perdido.

Se bem que penso, espero estar certo, que a minha existência não esteja por um fio.

Não desejo, jamais, que acendam velas nas proximidades do meu ataúde. Que esta data ainda se possa ver ao longe. Como disse dantes que ela caia num trinta de fevereiro.

Jamais, nunquinha, no dia sete de junho. Ou no primeiro dia de agosto. Dias inesquecíveis pra mim. No primeiro celebra-se do aniversário de minha mãezinha. O segundo, quando meu saudoso pai completava mais um cumpleanos.

Hoje, há meia hora atrás, voltei da minha roça. Levei comigo junto, na minha pratinha valente, o amigo, com o qual gostaria de começar uma sociedade.

Eu, pouco entendedor de cavalos e suas mulheres. E ele, o tal Marcelo, que sempre posta suas fotografias, tanto no whatsapp, quanto, no Face, montado a cavalo, que seja numa égua, foi ele mesmo que me presenteou com a potra ex Garota, que agora foi rebatizada por Santa Rosa, estamos bem intencionados, como disse anteriormente, de fundar a Sociedade Anônima Amigos dos Equinos e Carrapatos.

Marcelo, depois da experiência desastrosa desse treze de agosto (azar maior não pode existir), provou-me apenas entender, medroso e feioso que é, de cavalos e suas fêmeas, jamais.

Mas de carrapatinho Micuim ele é um experto (não o chamem de espertalhão). No que acredito que ele o é.

Em ali chegando, à espera de seu primo Celso, que trouxe uma potra que foi catirada com o meu cavalo, cego de um dos olhos, de nome Theo, Marcelo, aposentado da UFLA, por injusta causa, assim que adentrou àquele pastinho, intimamente ligado ao seu passado, já que ele nasceu ali pertinho, começou a coçação.

Os tais Micuins, vendo aquele barrigão, estufado, foram se imiscuindo à sua pele, e provocando uma saudável coceirinha marota.

E coça daqui, recoça acolá, o amigo Marcelo não parava quieto.

Não me foi permitido aquietá-lo.

Acabamos almoçando no restaurante da Meirinha. Já à porta de Ijaci.

E quem pagou a conta fui eu. O sócio majoritário. Quem banca as despesas maiores.

Acordamos, em comum acordão, que o Marcelo iria ficar com os Micuins. Os cavalos, as éguas, e suas crias, seriam minhas.

Era pegar ou largar. Não acredito que ele não vai topar.

De volta ao meu apartamento, com a minha pratinha valente toda empoeirada, carecendo de uma ducha, como eu, percebi, na garagem do prédio do amigo Fausto Pedroso, dois jovenzinhos lavando um carro.

Apresentei-me aos dois.

E eles, jovens, estudiosos, estudantes da UFLA, não só insistiram em lavar a minha caminhonete, como, da mesma maneira, ao me apresentar como médico urologista e cronista, também romancista, aceitaram que eu lesse aquela crônica de nome: “o menino que apagava estrelas.”

Foi um silêncio e admiração incomparável.

E, quando a eles informei, que estava indo em direção ao meu consultório, na intenção de escrever mais um texto, um deles me pediu, encarecidamente, que, assim que terminasse o texto de agora, voltasse, àquela mesma garagem, e lesse, em voz alta, como o fiz da vez anterior.

Nem tudo está perdido.

Ao ver aqueles jovenzinhos, atentos à minha leitura, depois de tantos livros publicados, de tanto escrever, furibundamente, acabei, por concluir, comigo mesmo.

Nem tudo está perdido…

 

 

 

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