Ainda a indecisão me consumia

Sempre pensei duas ou mais vezes quando uma indecisão me apoquentava.

Em menino ainda, com menos de cinco aninhos, assim que comecei a pensar sobre o meu futuro. Se ficava sempre a brincar com meu carrinho de rolimã. Ou a jogar bolinhas de gude.

Ou se tentava me equilibrar num patinete feito com todo carinho por meu avô Rodartino. Feito de uma tábua dura, resto de construção. E por baixo duas rodinhas toscas. Feitas de aço inoxidável. Duras como a cabeça do meu avozinho. Resistentes e persistentes como ele era.

Por todos que tiveram o prazer de conhecê-lo. Andejo como ele sempre foi. Até aquele triste dia quando tiveram a infelicidade de acompanhá-lo à última morada. No mesmo jazigo onde recém foi sepultada a sua filha minha querida tia Cida.

Dele herdei não só o prazer de caminhar. Assim como a sua altura modesta. E a modéstia que ainda me acompanha. Muitos dizem sobre a minha pessoinha que minha maior virtude é a simplicidade. De sempre tratar, pretos, amarelos, cafuzos; com a mesma cordialidade de sempre. Não fazendo diferença entre ricos e menos aquinhoados pela fortuna. Pra mim a cor da pele vale tanto como a bondade, a gentileza, que une as boas pessoas. Que costumam tratar com o mesmo carinho e honestidade sejam aqueles nascido em berços doirados ou num casebre dependurado num morro qualquer.

Nem sempre me balancei entre uma coisa ou uma loisa. A dúvidas que me atazanavam a cabeça nem sempre foram tamanhas quando a idade me avisou: “meu velho doutor. Não escolha de imediato. Pense bem ao dar seu voto naquele ou naqueloutro candidato. Investigue se o tal é ficha limpa ou imunda. Se por acaso, na sua vida pregressa, quando ele ocupou algum cargo público. Se ele se mancomunou à esquerda ou à direita. Se ele foi uma pessoa direita ou desonesta. Se ele tem no seu curriculum vitae alguma coisa que porventura tenha praticado de maldade no seu passado podre. Se foi bandido ou mocinho. Não importa se o tal seja gay ou gosta de mulher. Não considero pecado maior a sua opção sexual. E, se ele mesmo, desde que passou dos quarenta e cinco anos tenha feito o exame de próstata com você ou outro colega de especialidade. Se por acaso ele apreciou apenas uma vez ter-lhe invadido a privacidade. Se ele faz xixi de pé ou assentado. Desde que não molhe a tampa do vaso, ainda melhor”.

Hoje, dia dois de outubro, dia que amanheceu com um céu azul e um sol amarelo da cor do ouro.

É um dia se suma importância no destino de todos os brasileiros.

Dia de depositar nas urnas as nossas intenções de voto.

Tanto na escolha do nosso mandatário maior. Como também quem nos vai representar nas duas câmaras. Tanto no nosso estado quanto lá em Brasília. Ou naquele que irá governar o nosso estado das lindas Minas Gerais. Embora digam que aqui não tem mar. Mas, pra quê?

Se temos por companhia outro tipo de mar. Sem mardade. O mar de Minas é muito mió de bão. Tem água doce. Tem areia branquinha como a alma da maioria dos mineiros. Tem acolhimento e a simpatia do seu povo. Que, ao invés de trem, diz que trem bão e uai. Pronde nois vai memo?

Não há lugar mio que aqui, nas bandas do nosso estado. Dizem que ele é montanhoso. Pedregoso. Mais pirigoso. como Sum Paulo desconjuro. Aqui caqui dá à vontade. E que fruta apetitosa é aquela. Que se desmancha na boca quando madurinha como a idade que atingiu minhas avozinhas. E a tal jabuticaba quando de verde empreteja. Que doçura e lindura disputá-las com os marimbondos. Eu a eles imploro: “fica com as podres caídas ao chão. Eu, mesmo subindo nas grimpas. Fico com as mais doces e de cascas fininhas. As melhores pra mim e as menos ruins pra vocês.”

E a gente nem discute e muito menos repercute de fora das bandas da minha rocinha prejuizenta.

Ontem, sábado, dia um de outubro, foi dia de ir ao meu pedaço de coisa das miores deste mundão veio e sem porteiras.

Ali tive de arrumar um novo caseiro. A minha escolha recaiu sobre um vizinho. Que morava numa fazenda veia pertinho da minha casa novinha em foia.

Tomzé, como eu o chamo, já que seu nome de verdade é Antônio José Pedroso. Fio do velho amigo Pedroso. Que mora numa casa veia como foi a minha avó. Foi o eleito. Não a deputado ou senador. Muito menos a presidente ou governador. Ou a qualquer cargo em que câmara for. E sim a zelador do meu Solar Paulo da dona Rosa. Dona não só de minha pessoinha cujo único defeito é escrever muito mais que o necessário. E sim é ela quem dá as ordenas finais. E eu me calo. Emudeço. Fico surdo como uma porteira veia. Que nem range muito menos quebra.

Pra calar a bocarrota latideira dos meus dois cãezinhos: Clo e Robson. O mais negrinho e valente. Já o Clo, embora seja da raça fila brasileiro. É mais dócil e o sinto como se fosse a minha sombra rajada. Já que o Clo, além de olhos verdinhos tem a pele rajada como um tigre sem bengala.

Antes da nossa volta à Lavras, apressados como sempre, eu e minha Rosa, foi upa dificultosa prender os dois no canil espaçoso. Previamente reformado.

Já, noite alta, pela câmera do meu celular, pude ver dois cachorrinhos molequinhos como meus três netinhos – Theo, Gael e Dom. A saltitarem soltinhos pela varanda ampla da minha casinha não pequenina. Como aquela onde o nosso amor nasceu no bairro Centenário. Na avenida, no final da Padre Dehom. Aqui em lavras.

Ambos iam de um lado ao outro. De vez em quando a imagem a mim oferecida pelas quatro câmeras me deixavam preocupado. Os dois sumiram de vista.

Num certo momento. Já tarde da noite. Em plena madrugada. Voltei a ver os dois safadinhos.

Estava ainda indeciso em quem votar. Para qualquer cargo ferrenhamente disputado. Santinho a santinho, não muito bento.

Foi o cãozinho Clo, o filhote de fila brasileiro, que, com suja patona enorme, me fez entender, com um aceno fácil de entendimento, percebi, num átimo, o número 22.

Os outros indicadores ainda estou indeciso. Não sei em quem votar.

Já que o Clo vai votar no 22. Eu não tenho como recusar a sua sóbria indicação.

 

 

 

 

 

 

Deixe uma resposta