Tá por pouco

Quem ainda não se viu, desesperado, à beira de um abismo, prestes a cair, de uma altura enorme.

E aparece um falso amigo. E, quando você pensa que ele vai dizer palavras de conforto. Ao revés. Aquele falso amigo acaba dizendo palavras duras e desestimuladoras: “vai, pula! Acaba logo com sua agonia. Ao chegar lá embaixo de você apenas restarão lembranças amaras. Dor e sofrer. Uma vida dedicada a nada. Um lago seco no meio de nada”.

E você recua. Volta ou retrocede dois passos atrás. E olha o abismo que o aguardava espatifar-se ao chão duro da terra. De volta a mesma terra que um dia irá nos acolher debaixo de sete palmos.  Vendo o capim pela raiz.

Há dias ou seriam meses atrás pensei em mudar a marcha inclemente do tempo.

Eis que dezembro se avizinha rapidamente.

De hoje a sete dias precisamente estarei um ano mais velho.

Velho é palavra forte demais. A ser chamado de velho prefiro menino que já viveu mais de alguns anos. E, em absoluto, não me sinto idoso muito menos vaidoso. Ao revés. Ao me ver no espelho, alcagueta falastrão, e a ele indago: “quantos anos você me dá”?

Se por acaso ele me disser: “você aparenta quase cem.”

Só não lhe dou uma porrada na fuça por medo de os estilhaços quebrados revidarem-me. E um daqueles caquinhos ir parar no meu olho. Cegando-me esse apetrecho o qual considero essencial para atingir a felicidade plena. Muito embora muitos amauróticos demonstrarem sua alegria mesmo reféns da escuridão.

Em contagem progressiva faltam apenas sete dias para meus setenta e três desfilarem no calendário dos meus muitos anos.

Ai que saudade dos meus vinte. Dos trinta ou remando pra trás, dos dez.

Meu netinho mais novinho, o Dom, o qual chamo de Natalino, por ter nascido quase no dia de Natal. Completa quatro aninhos dia vinte e três. E por que não voltar a esta idade tão graciosa e encantadora? Ou, indo mais alguns aninhos adiante. Já que aos sete comecei meu curso primário. Até na presente data quando os setenta e três me acenam com as mãos manchadas de manchas amarronzadas. Típicas de idade provecta.

Tá por pouco ir mais um ano pra frente. E como apreciaria descolher mais um ano. Remar contra a corrente. Navegar indolentemente em sentido contrário das ondas do mar que vão e vem.

Dia sete próximo. Que cai numa quarta-feira. Meio de semana. Preferiria que fosse num sábado ou sexta-feira. Assoprarei tantas velinhas que mal cabem no bolo. Se conseguir apagar todas elas com um só sopro será uma vitória. De Pirro? Não sei.

Em absoluto não sinto os anos tiquetaquearem. O meu sorriso é o mesmo. Tímido. Lábios cerrados. As rugas as tenho escondidas no canto dos olhos. Se disserem que minha pele é flácida experimentem puxar minhas pelancas. Meus dedos exibem a mesma agilidade de dantes. As minhas pernas, então, tenho-as rijas como cabo de vassoura. E meus dois olhos cospem pra longe os óculos.

Tá por pouco. Podem dizer os amigos de verdade. Mais alguns dias estarei um ano mais velho.

“Velho não! Idoso tio gostoso. Menino que não cresceu. Garoto traquinas que ainda adora olhar as perninhas roliças e lisinhas das moçoilas casadoiras sem intenção de pecar. Velho babão. Jamais”.

Tá por pouco. Muito pouquinho. De hoje a sete dias setentarei. Letras juntinhas.

E, no caso de estar prestes a dar cabo de minha vida à beira de um precipício. Não me ajudem a pular. E me deem um abraço amigo. Sem máscara. Sem luvas ou constrangimento em me cumprimentar.

E, se me perguntarem qual presente gostaria de ganhar. Logo a resposta a tenho na ponta da língua.

Por certo não seria a mesma bicicletinha de rodinhas amarelas. Ou aquele velocípede de três rodas. Ou o carrinho de bombeiro vermelhinho que o bom velhinho me presenteou um Natal passado.

Desejo sim. De verdade verdadeira.

Que deixem na minha mão aberta a certeza que as boas amizades são o maior presente que amaria receber.

Tá por pouquinho. Sete dias apenas. Na próxima quarta-feira. Sete de dezembro. Não sei onde estarei. Quem sabe aqui mesmo. Defronte a esse computador de teclado escuro e de letras brancas. Nesta mesma cadeira giratória. Que em absoluto não me faz enjoar.

 

 

 

 

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