O passado a mim cheira a mofo?

Mofo, bolor, cupim, caruncho, azedume, são quase sinônimos.

Todos eles ensejam quase a mesma coisa.

Todos são encontrados em ambientes fechados. Em casas ou salas de pouco uso.

Que se manifestam onde menos se espera. Mofo é devido a uma família de fungos que se amontoa em filamentos formando estruturas semelhantes a cogumelos. Que se dão bem em ambientes úmidos e escuros. Bolores se reproduzem sobre pães velhos, frutas podres, couro, madeira, papel e ouros objetos e coisas deixadas a Deus dará.

Em mim o tal mofo nunca vai se locupletar.

Pois não tolero ficar parado. A escuridão e a umidade não me seduzem. Já que eu sempre me ponho em movimento. Nem na cama paro por muito tempo. Já que tenho pela noite um desagrado que só ela mesma sabe contar.

Quanto a dizer que o passado cheira a mofo não fui eu quem o disse.

Podem dizer que o conta é o presente. Que o futuro a Deus pertence. Que o passado deva ser enterrado solenemente. Que ele deva ser engavetado na gaveta mais esquecida de uma velha estante. Morada de carunchos, cupins e recheada de mofo e bolor. Embolorada de tanto ser deixada sem pelo menos passar um paninho de quando em vez. Avessa a uma boa limpeza feita pela dona da casa que não tem o costume de se reportar ao passado.

Pra mim o passado tem tanto valor quanto uma nota de duzentos reais. Ou mais ainda.

Na cotação em euro. Ou dólares. Tantos quanto uma carreta inteira de caçamba cheia de notas. Milhares delas. Pois nem ao menos tento me desvencilhar do passado. Pois ele em mim se encontra intimamente grudado no meu cerne. Como parasitas se grudam a uma velha árvore como em nossa vetusta Tipuana. Que ainda mora amuletada na praça principal de nossa querida Lavras.

Quem disse que o passado cheira a mofo ou bolor não tem saudades do tempo que passou.

Se não tem é porque não teve pai nem mãe. Nem sequer teve berço onde balangandãs eram dependurados lá em cima. Ou brinquedinhos balouçantes a enfeitar-lhe as noites quentes onde a lua brilhava naquele céu estrelado. Onde pirilampos moleques dançavam quais estrelinhas despencadas de um lugar especial chamado céu.

Passado não deve ser descartado como uma carta fora do baralho. Um az de espada. Um rei de copas. Uma rainha destronada por um peão que lhe ofereceu amor.

Aquele infeliz que disse que o passado se ressente a mofo ou bolor não teve a quem rememorar no dia dos pais. Ou não teve avós. Não teve tatuzinhos retirados do esterco. Aqueles bichinhos tímidos que se enrolavam todinhos quando neles tocávamos. E diziam que eu comia tatuzinhos fresquinhos. Recém retirados dos canteiros do jardim da minha avozinha dona Belica. Mãe de minha mãe. Esposa do meu avô Rodartino.

Bobo de todo aquele que blasfema dizendo que passado cheira a mofo e tem a cara de cupim e azeda como leite deixado fora da geladeira sem ferver.

Pra mim sempre tento revivê-lo.

Passo por aquela mesma rua. Que daqui se avista pelos fundos. Hoje a casa dos meus pais se transformou num lote vazio. Onde uma construção vai ser erguida brevemente. E eu não terei mais passado a celebrar. Já que não mais tenho pais a abraçar. Por favor. Não me impeçam nunca de deles me lembrar. De cultuar-lhes a memória. De escrever a cada dia neste computador já fatigado. Onde tantas e incontáveis crônicas foram escritas. Onde tantos livros saíram dos meus dedos escrevinhadores.

Onde, por mais que tente jamais irei me olvidar do passado. Mesmo sabedor da importância de viver o presente. Como um verdadeiro presente que me foi dado. Num natal passado e sempre relembrado. Quando ainda tinha meus pais por perto.

Não tenho como esquecer daquela rua. Hoje radicalmente metamorfoseada. Como a feia lagarta numa linda borboleta azul.

E, se me disserem que o passado cheira a mofo ou bolor. Fecho as narinas. E as abro de vez em sempre. Para sentir cá dentro um odor bom de saudades. Daqueles velhos tempos que o passado levou pra longe de mim. Mas ele sempre vai ser lembrado. Pois não consigo retirá-lo nunca de dentro de mim.

Se disserem pra mim que o passado cheira a mofo logo a minha resposta será um retumbante não.

 

 

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