Quando a velhice chegar

Velho. Sob que prisma nos consideramos velhos?

Aquele que tem muito tempo de vida? Ele existe há anos e anos passados?

Pessoa, ou coisa, que remonta a tempos antigos? Gasto, acabado, batido, surrado, envelhecido, ancestral, do tempo dos dinossauros, vetusto, provecto, e por aí vamos nós.

Sapato velho não concordo quando me chamam assim.

Eu ainda sirvo a dar meia sola. Remendando aqui. Esticando as rugas acolá. Tintando as cãs branquinhas usando a mesma tintura da minha esposa. Plastificando a minha barriga. Pensando em voltar atrás alguns anos a menos. Ah se alguém inventasse a máquina do tempo. E me permitissem retroceder aos vinte anos. Desde que não me ceifasse a minha experiência nestes meus setenta e dois. Hoje, sete de dezembro. Pulo aos setenta e três. Podem dizer que não parecem tantos. No entanto, se encarar-me no espelho ele por certo diria: “não se engane. Você, vovô, a mim me diz quase noventa. Isso por que eu gosto de sua pessoa. Se não o apreciasse eu a você daria mais de cem. Fora os anos que passou agarrado às tetas de sua mãe”.

Faz uma semana. Se tanto. Ao entrar numa relojoaria de minha Lavras amada. Na intenção de fazer reviver um velho relógio de pulso. A espera do conserto. Olhando pela parede branca. Vi. Num átimo. Um relógio de parede novinho em folha cujos ponteiros andavam ao revés. No sentido anti horário. Neste mágico instante apaixonei-me por ele. Depois de uma tentativa de reduzir o preço dado pelo proprietário não resisti. Paguei por ele menos dez reais que o pedido. A partir de então pensei em permanecer nos meus ex setenta e dois. Seria possível?

Velhice pra muitos soa a decrepitude. Velho rima com carta fora do baralho. Na rima moderna. Sem necessidade de acasalar paixão com emoção.

Há tempos idos. Quando ainda morava no condomínio Jardim das Palmeiras. Logradouro magnifico, ideal para se viver em paz. O único inconveniente em se morar lá era um vizinho por todos tido como mala sem alça. Ou chato, na expressão exata da palavra.

A pessoa havia construído a casa própria a mais de vinte anos. E nunca ali morou. O tal aposentado de uma casa bancária passava sábados e domingos inteiros faxinando a sua morada desabitada. Ele e sua infeliz esposa.  E não tinha o bom costume de cumprimentar os demais condôminos nem com um bom dia, boa tarde ou mesmo noite. Ele se bastava. Achava-se a última e mais deliciosa bolacha do pacote.

Por mais que eu insistisse em lhe dar as boas vindas o tal mal me olhava nos olhos.

Até que um dia. Prestes a lançar mais um livro de minha lavra. A ele passei um convite à efeméride. O tal, olhando-me de soslaio, com cara de poucos e nenhures amigo. Me respondeu usando essa mesma expressão: “velho gagá. Vê se te enxerga”.

No que a ele respondi. Para não meter a mão na sua fuça suja: “velho gagá não. Prefiro tio.”

Hoje desaniversario mais um ano. Os setenta e dois se foram. Não sei quantas velinhas irão caber no bolo deste velhinho. Se deixar algum dos meus netinhos apagarem-nas todas tenho receio de causar um incêndio na sala do bolo.

Estarei preparado para quando a velhice me trepar às costas?

Confesso não saber…

E quando não mais puder caminhar pelas próprias pernas? Nem abengalado?

Quando não mais conseguir servir de montaria aos meus queridos netinhos? Seria um substituo a altura algum dos meus cavalos neste dia sete bem alimentados por meu caseiro Tom Zé?

E quando não mais suportar o peso dos anos? Alguém estaria disposto a dividir o fardo pesado da idade com a minha incapacidade de soerguer-me a uma queda durante o sono insone?

E mais uma vez me indago. E, se por um acaso do descaso uma enfermidade cruel se aboletar em mim. Com qual amigo dividiria tal peso pesado?

E quantos ses ainda tenho pela frente?

Eu ainda viveria até os setenta e sete? Como meu saudoso pai viveu?

Ou até os oitenta e três? Como minha mãezinha Rute em mim apoiando-se, titubeante, fomos até a Santa Casa. Ao centro cirúrgico onde ela enfim nos deixou órfãos. Minha irmã Rosinha. Fred e eu.

Quando a velhice em mim aportar. Se não já chegou.

Que pelo menos não me permita jamais deixar de sonhar.

Sonhos coloridos de amarelo ou azul. Não sonhos de esta cor cinzenta que nesta data mancha o céu de cinza.

Sete de dezembro. Data do meu cumpleanos. Que esta data se reverbere tanto quanto uma pedra atirada nas águas plácidas de um lago. Que me ofereça tranquilidade e a tão almejada paz. Que tanto almejamos.

 

 

 

 

 

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