“Num mim interessa!”

“Num sei. Tô nem ai. Num quero saber e tenho raiva de quem sabe”.

Expressões corriqueiras de vez em quando ditas. Que expressam, nada mais, nadinha a menos, de que não interessa saber se a chuva cai ou deixa de cair.

Assim deveria ser o nosso dia. Viver a cada dia como se não existisse outro.

Fazer o que gosta e deixar as preocupações de lado. Mas quem diz que querer é poder? Assim fosse…

Vivendo nessa marafunda atabalhoada. Tentando equilibrar o orçamento com os preços abusivos que têm sido praticados. Ver o salário sumir antes do meio do mês. Conviver nessa violência desmedida em que a lei do mais forte prepondera. Estar presente onde não se deve estar. Já que assaltos acontecem sem menos esperar. Não tem sido fácil. De vez em quando penso ir embora pra Pasárgada. Pena que a minha rainha mora aqui. E não tenho outra a quem me encostar.

Não me interessa ficar por aqui a espera que a morte venha me buscar. Viver sim, apraz-me muito. Viver bem, em saúde perfeita. Acordando cedinho como tenho feito. Dando cores ao cotidiano tão lindo como amanheceu nessa terça feira de outubro quase pela metade. A espera do primeiro paciente que deve chegar lá pelas oito. Em muito me satisfaz.

Estou bem aqui nessa manhã tão linda. Interessando-me por tudo que a literatura deixa escrito.  No entanto não estou nem aí pelas noticias que versam sobre futebol ou política. Pois não me sinto a vontade lendo tais coisas e loisas que não me dizem respeito. Mas respeito aqueles que se interessam.

Tenho um amigo de longa data. Cujo pré nome é Chico.   O resto nem a ele interessa. O qual vive numa rocinha pertinho da minha. Com o qual me encontro quase sempre aos sábados. O qual vive em meio as suas vaquinhas tatu com cobra sem pedigree. E vive feliz a sua maneira simplesinha. Sem se lixar com o mundo ao derredor.

Chico é sábio sem ter estudado. Tudo que aprendeu foi com a natureza que se mostra ao seu redor. Sabe como poucos a época mais apropriada para lançar as sementes na terra arada. De quando a vaca vai dar cio. Que a égua, quando pisca, é sinal que aceita a monta do garanhão. Que vaca de três tetas não da leite como a de quatro perfeitos.  Que se deve esperar a chuva para plantar. Que vaca não da leite de graça pois tem de tirar. E tirar custa caro. Que gente da roça é confiável. Mas desconfia de quem vem da cidade e se diz boa gente.

Foi no sábado passado que nos demos de olhos. Depois apertamos as mãos.

Chico estava acabando de ordenhar suas vaquinhas. Depois de acordar bem cedinho. Como euzinho.

Ele me intimou a tomar um cafezinho passado naquela horinha. Não tive como recusar. Era por volta do retorno das oito e um cadinho. Céu azulinho, sem nenhuma nuvem a tapar a cara amarela do sol.

Depois do café tomado. Bem acompanhado de uma broa cheinha de queijo pelas bordas. Foi a minha vez de falar.

Chico a tudo escutava sem emitir a sua opinião. Pra mim muito abalizada já que bem sabia da sua sapiência carente de estudos mas bem aprendida desde quando ele vivia observando as estrelas em noite de lua cheia; ou até quando a lua desincha se transformando numa lua minguada.

“E ai amigo Chico? Como vão as modas? Tá tudo em ordem ou em desordem? Como tem feito calor, né? E o preço do leite? Tá compensando tirar? Eu desisti faz um tempão. Como tomei prejuízo na produção. Ainda bem que arrendei minhas terrinhas. Fiz catiras e tomei manta. Foram mais de trintanos na produção leiteira. Era um retireiro a cada ano. E a política amigo Chico? Já sabe em quem votar pra presidente daqui a um ano? E o futebol? A nossa seleção não vai nada bem, num é”?

Chico, pitando seu paiero apagado. Ele nem sabe tragar. Enchendo seu peito de ar puro da fresca da manhã. Respondeu-me num muxoxo meio chocho.

“É, num sei não. Do jeito que as coisa tá vai de mar a pior. Nem quero saber da tal eleição. A minha ereção vai bem. Nem remedinho careço tomar pra namorar. O tal futebol nem tempo tenho pra torcer. Torço sim a minha roupa no varal. Num tô nem ai pras prosas ruim que proseiam sobre política. Nem sei se vou votar.  Pra mim tanto faz como se desfaz. O que me importa, e muito, é quando a chuva vai cair. Já tá no tempo de plantar minha rocinha de milho. Minhas vaquinhas precisam de comida. Não desses políticos que falam pelos cotovelos e não cumprem o prometido. Num quero saber e tenho raiva de quem sabe. Num mim interessa nada que dizem os jornais. Tenho de trabalhar muito. Eu que pago as minhas contas. E não devo nada a ninguém”.

Deixei o amigo Chico depois de um caloroso aperto de mão.

Eu também num sei. Num quero saber e não tenho raiva de quem pensa saber mais do que eu.

 

 

 

 

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