Nem ambos conseguiram impedir…

Todos ficamos e estamos mercês da falta de quase tudo um pouco, nos anos desgovernados que pensam nos dirigir. Da falta de educação. De discernimento entre o certo e o errado. De decoro. De falta de comungar com a verdade. Do tempo que mais e mais ruge como o vento tão em falta neste setembro quente. Como a chuva faz falta! Como o amor está em falta. Como estamos ficando robotizados, alienados, cada vez mais plugados a internet. Cada um com seu telefoninho andejo, passando mensagens, esquecendo-se de como a língua pátria fica maltratada, engolindo letras, abreviando palavras, neste internetês descortês, não apenas de domínio dos jovens assim como os de mais idade.

A vida dos tempos hodiernos faz-nos ficar como zumbis, seres intergalácticos, robôs teleguiados e desgovernados, atentos as coisas e loisas todas que os noticiosos, nos quais apenas vemos sangue, numa violência cabal, onde pessoas tidas honestas são-lhes imputados crimes contra nós mesmos, levando malas e malas de dinheiro, escondidos em logradouros apenas descobertos graças a um fenômeno mais e mais comum, as delações premiadas.

Poucas pessoas, entre elas não me incluo, deixam os carros estacionados em frente a residências, e andam como baratas inteligentes, nada melhor para que a saúde nos estenda a cara satisfeita do que usar as pernas ao invés de rodas movidas a gasolina.

Estas, que como eu não usam autos, por certo têm vida mais longa, a não ser que um carro apresado abrevie-lhes o itinerário, levando-os ao outro lado do céu, não sei como seria o lado de lá. Prefiro, caso me oferecerem salvo conduto, ficar por aqui mesmo. Feliz como me sinto agora, prestes a lançar mais um livro. Seu nome vai ser: Por quem os sinos não dobram.

Como disse ando sempre. Corro de vez em quando. Na esteira todos os dias. Nos finais de semana lá vou eu pelas estradas afora, a espera que algum Chapeuzinho qualquer me faça parar junto dela. Caso bonita for.

De tempos pra cá descobri alguns incentivos a mais para andar sempre. Ou correr, como queiram.

Com meu celular ligado aos meus dois ouvidos, ouvindo músicas no Spotify, atento a musicalidade do Bluetooth, lá vou e venho, pelas calçadas lotadas, esgueirando-me entre transeuntes, para não levar bolsadas no andar de baixo. Não tem sido fácil nas horas de pico. Como nosso povo não sabe que passeio foi feito para caminhar, sem obstáculos maiores, sem as inevitáveis titicas de cachorro, dos vira-latas a gente entende, mas os cãezinhos de madames não. Já que suas donas, mandonas a maioria, não levam as sacolinhas cidadãs apensas à dobra do cotovelo.

Andando como notícia ruim, de um posto de saúde a outro, sou assaz conhecido como doutor Paulo Rodarte do posto da Chacrinha, de onde saí inda pouco, com meu fone de ouvido ligado, sem poder ouvir coisas péssimas no entorno, tais como impropérios e propagandas enganosas, oriundas daqueles carros de som em altos decibéis, de vez em quando sou interpelado em plena rua, com pedidos impróprios a hora e lugar.

Hoje mesmo, antes da hora do almoço, ao subir a rua em pleno sol do meio dia, com a temperatura do dia oscilante entre trinta e mais graus, com fome, de fone de ouvido ligado, não me recordo em que música, apareceu do nada um senhor grisalho, barbudo como deveria ser o Papai Noel no qual cria em tempos bons, que não voltam jamais.

Em alto e bom tom ele me fez parar, bem a porta de uma loja de tintas. Com a seguinte admoestação: “doutor Paulo. O senhor não pode me fazer um favorzinho. Preciso de uma receita. Daquelas que o senhor um dia me deu no mesmo postinho de onde o senhor saiu agorinha”.

Não precisa dizer que tive de retirar meus fones de ouvido do lugar onde sempre estiveram.

E como estava animada a música de sofrência! Talvez seja a que Roberta Miranda solfejou em minha vida sofrida e apaixonada por ela, a vida.

Várias vezes tive de tirar meu fone de ouvido. Durante as caminhadas tantas que me olham com olhos de temperança.

No dia de hoje nem mesmo o Bluetooth, nem o Spotify, deram conta de impedir um incauto do incômodo causado. Bem sei que não deveria me expor tanto assim. Caso disserem que foi mea culpa, concordo, que sim.

 

Deixe uma resposta