É quando me encontro

Quantas vezes a gente procura, de olhos abertos, e não encontra nada a não ser um caminho que não se deseja seguir.

Tenho procurado a vida inteira. Ainda jovem buscava qual profissão seguir.

Uma vez criança, ainda envolto naquela inocência pueril, nada procurava a não ser brincar.

E como brincava atabalhoadamente, sob os olhares vigilantes dos meus pais.

Quantas vezes caí. Levantei-me e fui adiante. Um galo na testa recomendou-me prudência. Mas quem disse que aquele menino, de olhos espertos, não voltou novamente a fazer travessuras.

De quando em vez um castigozinho me fazia ver em quantos senões me metia. Mas nada me impedia de brincar. Novamente.

Já parcialmente maduro mais uma vez uma encruzilhada se interpunha entre eu e a vida. Qual caminho seguir? Por qual profissão me enveredar? Não tive, naquela data importante, qualquer recomendação dos meus pais. Aprendi, naqueles verdes anos, que só dependia de mim a escolha. E foi a medicina a eleita. Foi uma definição acertada. Até hoje não me arrependi.

Creio ter me encontrado nesta difícil jornada. Afinal são mais de quarenta anos. Quase uma vida inteira.

Naquele ano distante de dois mil novecentos e setenta e quatro me graduei.

Em minha cidade amada cheguei três anos depois.

Foram anos difíceis os primeiros. Operava só. Com a ajuda de um enfermeiro. Passei noites insones preocupado com os pacientes. E quantas vezes tinha de voltar ao hospital. Sondas entupiam na calada da noite. Felizmente tive razoável sucesso nas reintervenções.

E segui adiante. Agora, quase aos setenta, ainda não penso em me aposentar. A medicina ainda me consome. A arte de curar me faz ir adiante. Por quanto tempo mais? Prefiro nem pensar.

E continuo na velha obstinação em me encontrar.

Nos dias de hoje acordo antes que o relógio me avise que chegou a hora. Amo as madrugadas. Tenho pela noite uma verdadeira ojeriza.

Chego à minha oficina de trabalho quando o prédio ainda está vazio. O porteiro, de olhos sonolentos, me diz bom dia. E retribuo a sua amável saudação com outro cordial bom dia.

O sol ainda dorme. Nuvens cinzentas predizem chuva no decorrer do dia.

Aqui, nesta hora temprana, quando o médico troca de lugar com o escritor, é quando me encontro.

A medicina ainda está intrinsecamente ligada a mim. Mas a literatura me inebria.

O encontro entre o médico e o escritor se faz a cada dia. O cotidiano deve ser retratado a cada despertar de uma nova manhã. Antes das oito horas. Quando em verdade começa o dia.

Aqui, onde escrevo, reencontro minha outra face. É outro eu. Um eu que aprendi a apreciar há tanto tempo. Que nem me lembro mais.

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