” Viver sozinho né bão não”

Nesse final de semana passei cercado de gente.

Netos, família me fizeram pensar nisso.

Como é bom estar entre pessoas que a gente ama. Netos são pessoinhas especiais.

Mesmo que eles nos façam perder o juízo. Que montem em nossas costas. Já bem alquebradas pelos janeiros. Que elezinhos nos intimem a jogar futebol. Quando nossas pernas mal conseguem caminhar. Mesmo assim sinto-me como se fosse um delezinhos. Molequinhos travessos que já fomos e não somos mais.

Entre amigos, então, me sinto a vontade. Viver entre eles não tem coisa melhor.

Entre quatro paredes não sinto tanto a solidão. Já que não posso conversar com elas falo em monólogo. Se me virem falando sozinho não pensem que estou ficando louco. Eu apenas gosto de ler a mim mesmo uma das minhas crônicas. Para corrigir senões que porventura apareçam.

Eu penso, e repenso, que viver na solidão pode parecer meio fora do costume. Pois ninguém vive isolado numa ilha em companhia apenas de coqueiros, areias brancas, e, se cairmos no mar corremos o risco de virar comida de tubarão.

Viver feliz, no meu entendimento, subtende-se estar cercado de gente.  Mesmo que seja uma gentalha pra nós indiferente.

Não ter com quem prosear. Com quem desabafar as mágoas. Com aqueles que se dizem entendidos naquilo ou naquiloutro. Pra mim desse jeito não se grafa a palavra felicidade.  Já que somos feitos pra sermos ouvidos. Pra sermos entendidos ou não. Depende da argumentação que defendemos.

Não se vive sem uma boa convivência. Minha experiência, acumulada nesses meus setenta e cinco anos, me permite chegar a essa conclusão.

Nem sempre a pessoa que mora ao nosso lado compartilha dos mesmos gostos e prazeres. Discussões acaloradas podem existir. Da discórdia e do diálogo pode fazer-se a luz.

Desse gosto desfruta o mesmo sabor da fruta o meu amigo Tiago. Tiaguinho o chamam devido ao seu tamainho diminuto.

Ele enviuvou o mês passado. Viveu por mais de cinquenta anos com sua amada Sebastiana.

Viviam às turras. De vez em sempre ela lhe dava uma boa surra. Eram incompatíveis tanto na cama como na mesa.

Na cama ela o rejeitava. Na mesa não comungavam dos meus gostos.

Mesmo assim, quando ela partiu, numa viagem sem volta e nem fez as malas. Como Tiaguinho sofreu. Não tinha com quem brigar nem ficar de mal. Nem discutir de quem seria a vez de fazer o jantar. Já que sempre era ele e não ela.

Naquela noite, quando a sua Tiana fechou os olhos e parou de respirar. Estavam apenas os dois prestes a dormir.

Foi Tiaguinho quem disse adeus a sua amada pela última vez. Foi ele mesmo quem encomendou o caixão. E a levou sozinho ao campo santo. Espalhou flores de defunto no tampo do túmulo. E ali permaneceu a noite inteira velando a sua amada Tiana.

Dois anos depois do passamento da sua amada nos encontramos.

Tiaguinho nunca mais se ligou a outra. Passou a viver só curtindo a sua solidão.

Dizem, na cercanias, na voz do povo deve-se acreditar. Que Tiaguinho ficou meio amalucado.

Conversava com ele mesmo. Dava gritos na madrugada. Dizia em voz alta: “Tianinha, por favor, faz carinho em mim!”

Ninguém lhe dava ouvidos. Mas ele insistia em chamar a sua Tiana.

Naquele dia, a tarde se despedia. Quando acheguei-me a ele.

Encontrei Tiaguinho falando sozinho. Falava em voz baixa.

“Tianinha, você volta à tarde? Não demora não tá”?

Talvez ele soubesse que sua amada Tiana não iria voltar. Mas, inconscientemente se recusava a dar o braço a torcer.

Num raro momento de lucidez dele ouvi: “viver sozinho não é bão não né? A gente tem muito tempo pra pensar”.

Pura e insofismável verdade. A vida tá aí pra nos ensinar.

 

 

 

 

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