Amanheceu uma terça feira quente e seca como tem sido esses dias de setembro.
A temperatura oscilava entre trinta e mais degraus. O céu azul se misturava à amarelice do sol.
Não havia saúde que resistisse às doenças. Infecções das vias aéreas superiores incomodavam a toda gente. Aquele que não tossisse era considerado anormal.
Naquela madrugada de setembro fatiado ao meio Zé Bituca, fumante inveterado, recebeu alta do hospital. Ali permaneceu por uma semana inteira. Para se tratar de uma gripezinha tinhosa, que acabou se transformando em uma pneumonia das grandes. Que quase deu cabo da vida do Zé. Salvo por seu primo Ladino. Que ao seu lado vivia. Desde quando o pobre Zé perdeu o bem mais precioso que possuía. A sua esposa amada dona Luzia. Com quem passou quase uma vida inteira até que elazinha foi chamada a viver no céu.
Zé Bituca não tomava jeito. Pitava um maço inteiro de cigarro ao dia.
Aos seus mais de setenta anos parecia ter o dobro dessa idade. Aos cinquenta já dava sinais de decrepitude. Aposentado por invalidez aos quarenta e um cadinho. Passava o dia inteiro acordando mais cedinho pra ficar mais tempo sem fazer nada.
Zé foi de tudo um nada. Começou a vida engraxando sapatos. Sem estudos, sem formação profissional, acabou, aos vinte anos, sendo garçom. De bar em bar tomava todas. E como não tinha grana não pagava a conta. Até que um dia, ao tentar dar calote num comerciante foi conduzido à delegacia. Ali ficou entre grades um mês inteirinho. Deixou o xilindró prometendo nunca mais voltar. Mas quem diz que conseguiu. O mau filho à cadeia retorna. Foi um tal de entra e sai que durou até os cinquenta anos quando tentou se endireitar. Mas diz o ditado: “pau que nasce torto nem as cinzas se endireitam. Elas ficam tortas também”.
Quando o conheci Zé já havia passado dos muitos entas. Nesse mês de setembro Zé completou setenta e tantos. No entanto dos entretantos ele parecia muito mais.
Encontramo-nos à porta do hospital. Foi no sábado passado.
Como não havia quem o levasse pra casa sobrou pra mim. Nem cobrei o carreto. Ele morava pertinho.
E que casa era aquela. Sem portas ou janelas. Um buraco na parece servia como entrada.
Um quartinho mixuruca era onde ele tentava dormir. E como ele passava as noites tentando urinar a sua cama era no banheiro. Nas imediações do vaso da privada. Onde ele, conferindo suas nádegas ao assento, tentava expelir os excrementos.
Segundo o próprio me contou, numa dessas manhãs que ele tenta esquecer. Ao levantar da cama acabou caindo de costas. Como não tinha ninguém pra acudi-lo Zé quebrou a bacia justamente no tampo da pia. Foi um Deus o acuda para levá-lo dessa feita ao hospital. Onde comeu o pão que o diabo renegou, pois nem plano de saúde tinha. Amargou, numa maca meio cambeta, um dia inteiro de doida espera. Até que uma alma boa dele se apiedou. E pagou a sua estada na enfermaria até que um médico caridoso operou a sua bacia quebrada.
Zé Bituca passou sozinho um ano inteirinho engessado do pescoço ao andar de baixo. Sem poder se mexer. Nem mijar ele podia. Zé acabou se mudando para o cômodo de banhos. Fingia dormir juntinho à privada. Onde comia o que lhe davam. Ainda bem que nem fome Zé tinha.
Quando nos encontramos me condoí do estado do Zé. Que carinha sofrida nele percebi.
Levei pra ele uma marmita quentinha de carne de boi, ou seria de vaca. Separadamente uma tigela de arroz com feijão feito com todo carinho.
Com uma vozinha meio rouca Zé me agradeceu.
“Brigado meu amigo. Não briga comigo, pois preciso de você. Volte sempre viu”?
Deixei o desafortunado Zé com pena dele. Prometi voltar desde que ele parasse de fumar.
No mês seguinte a sua casa retornei. Zé me recebeu com um sorrisão de alegria.
“E aí Zé? Parou de fumar”?
“Parei sim”! Arredondou ele.
Mas, fazendo justiça ao ditado: “pau que nasce torto as cinzas se deitam tortas.”
Logo à porta de sua casa encontrei várias bitucas de cigarro.