“O que você tem feito de bom”?

Pergunta corriqueira que se faz quando encontramos um amigo.

Da no mesmo que dizer: “tá tudo bem? E a saúde, vai melhor que as doenças”?

A resposta pode vir na ponta dos cascos: “vai bem sim. Não vês que ainda estou de pé”?

Cumprimentar uma pessoa, perguntando como ela vai. Ela pode responder, caso esteja de mau humor: “vou pro raio que o parta. Não te interessa. Vou viajar com meu dinheiro. Não te pedi emprestado nenhuma grana. E vai pros quinto dos infernos”.

Não se avexe se a resposta a sua gentileza não ensejar outra gentileza. Melhor ignorar a mal criação. Em boca fechada não entra boticão.  Da próxima vez se cale. Já dizia a minha avozinha: “em boca fechada não entra barata. Cuida da sua vida que eu cuido da minha”.

A vida me ensinou que nem sempre a cordialidade, a fraternidade, o amor, nem sempre tem a resposta devida. Afrontas, mal querenças, desavenças, coexistem lado a lado ao carinho, ao afago, ao jeitinho doce de dizer como eu gosto de você.

Não se apoquente se receber uma resposta mal criada ao seu bom dia dado de coração aberto. Continue a dar bons dias. Mesmo que o outro não retribua a sua cortesia.

Seja bom. Não bobo. Distribua sorrisos a torto mesmo que a pessoa seja de esquerda. Não se avexe se alguém tenta mexer no seu bolso.  Aprenda a dizer não. Um sim pode ser mais simpático. Um não bem dito pode atrair antipatia. A ter um desafeto pidão bem melhor dizer não a ficar na saudade de nunca mais receber de volta a soma emprestada de boa fé. Dizem que a fé remove montanhas. Pra quê? Deixa aquela serrinha em paz no seu lugar.

Seu Bento Beato é meu amigo. Pessoinha da prateleira bem em cima. Difícil de alcançar sua bondade.

Um dia ele passou por aqui. Numa consulta de rotina.  Não que ele sofresse da urina. No entanto dos entre tantos encantos. Dada a sua idade avançada. Já havia passado da hora de examinar a sua próstata.

Naquele mês de setembro, quase primavera. Seu Bento Beato, já com os joelhos gastos de tanto ajoelhar na igreja. Igrejeiro de coração repleto de bem querenças. Quando ele conferiu sujas nádegas ao assento defronte a minha cadeira. Já conhecedor de suas incontáveis virtudes, a ele perguntei: “Bento. Qual o seu maior defeito”?

Ele me respondeu placidamente: “quer saber? Bondade demais”.

Em poucos minutos escrutinei seus queixumes. “Nada sério. Aqui vim para saber notícias da minha próstata. Ela não diz nada. E nem fala comigo. Parece que elazinha cresceu um cadiquinho. Mas não estorva o meu urinar. No entanto todo mundo diz pra eu me preocupar. Já que câncer na minha idade pode carecer de cuidar”.

Levei meu consultante à sala de exame. Meti o dedo bisbilhoteiro naquele lugar escondido. Bento Beato nem se mexeu. Ficou de olhinhos fechados esperando o pior. Não levou nem meia horinha aquele toque sem retoque. Foi tudo bem melhor que a gente previa. A próstata do amigo Bento era do tamainho de uma noz bem macia. Sem nadica de nadinha que sugerisse malignidade.

Como ele não me queixasse de nenhum sintoma acabamos a consulta falando de amenidades.

“E ai Bento Beato? Ainda se esconde por aquelas bandas? Já se aposentou de vez pra sempre? Ou ainda faz algum bico? O que tens feito de bom”?

Bento me respondeu agradecendo a gentileza. Não cobrei a consulta, pois ele não tinha plano de saúde nem como pagar.

Simplesmentemente me respondeu dando-me um apertado abraço.

“O que tenho feito bom? Simplesmente continuo vivo.”

Verdade, viver bem, naquela idade. É a melhor coisa que a gente pode fazer, de verdade.

 

 

 

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