Pode não haver uma próxima vez

Que calor mostrou a cara no dia de hoje.

Nem bem a primavera começou e nada de chuva.

Que secura nos empapa as narinas. Uma poeirinha insossa faz-nos espirrar.

Não vejo a hora nem o dia de ver de novo a chuva cair. Verdejar a pastaria. Fazer madurar as flores da jabuticaba que já se manifestam agarradinhas aos galhos da jabuticabeira. E espero, antes de dezembro chegar, poder chupar aquelas frutinhas docinhas. Pena que elas duram tão pouco. Como a vida da gente termina antes de experimentarmos a felicidade genuína. Já que as tristezas são maioria na vida de certas pessoas que não sabem admirar a beleza que se mostra saltitante nas asas de um beija flor. Ou de uma borboleta que borboleteia de flor em flor.

Envelhecer é inquestionável e inevitável. Assim como morrer não tem como deixar de acontecer.

Um dia a gente nasce. Pena que a gente cresce e deixa de ser criança. Ah se eu pudesse fazer com que minha infância se perenizasse assim o faria. Jamais deixaria de ser menino olhando, com olhinhos curiosos, a minha mãezinha me trazer no colo.

Já que envelhecer se torna inevitável não contesto essa verdade. Mas como gostaria de fazer dessa efeméride uma mentirinha perdoável.

Já que ficamos velhos, gastos como um sapato que não pode ser ressolado. Tudo pra gente deve ser feito agora e nessa hora.

Nosso futuro é incerto. Temos de nos ater ao presente. Não se deve deixar pra depois o que está marcado para esse minuto. Uma hora depois pode não chegar. Um dia então pode ficar na saudade. Um mês inteirinho talvez seja muito tempo pra nós que já passamos dos tantos entas. Depois de certa idade, de vermos passar a fase adulta, de entramos na idade dita caduca. Pra que viver tanto assim? Melhor passarmos ao outro lado e olharmos a terra antes que ela seja destruída pela ganância da humanidade.  Onde prepondera a falsidade aliada à maldade. Onde crianças infelizmente deixaram a infância de lado perdendo a inocência que tanto prezo.

Uma vez deixando a senilitude montar nossos costados as enfermidades nos pedem carona. E a saúde nos abandona. Dai a minha crença em não adiar desejos. Façamos hoje e agorinha mesmo tudo aquilo que temos vontade. Se trepar na jabuticabeira ainda somos capazes não deixemos pra depois. As jabuticabinhas podem madurar e cair ao chão. E a gente cai junto e não nos levantamos mais.

Pode não haver uma próxima vez que nos encontraremos com ela. A tal namoradinha que amamos tanto e agora se tornou uma avozinha senil que não nos conhece mais. Dai não se deve postergar aquele encontro, já que a vida é a arte dos encontros onde os desencontros são muito mais frequentes. E quem sabe dizer se lá no alto nos encontraremos de novo? Já que desconhecemos o que nos espera ao final dos tempos.

Se pode não haver uma próxima vez que faça tudo aquilo que tem vontade agora ou nunca. O agora sabes onde ele mora. Já o nunca tem endereço indefinido.

Não deixe pra depois aquele abraço tão esperado. Quem sabe dizer se aquela pessoa vai querer te abraçar no ano seguinte? Já que a vida tem pressa e não tem como parar os ponteiros dos relógios. Não adie e nem contenha seu ímpeto de dizer eu te amo a quem amou de verdade. Em outra idade talvez não sejas capaz de sequer balbuciar palavras.

Não postergues a saudade que lhe cavouca o peito. Talvez um ano depois seja tarde de mais pra dizer a alguém como sinto falta de você.

Tinha um amigo. Que já nos deixou faz tempo. Com quem sempre me encontrava ao despertar das madrugadas. Poeta como eu nem tento ser. Escritor como pretendo ser.

Que sempre trazia um sorriso no rosto. Uma alegria imensa dentro das sua tristeza. Já que nos últimos anos ele era vitima de pertinaz enfermidade que lhe corroia as entranhas.

Pedro se despediu de mim com um afetuoso abraço. E me disse afetuosamente: “Paulo, não deixe de me visitar. Não sei se amanhã vou estar aqui. Estou cada vez mais fraco. Ofegante não consigo dormir. E como aprecio as suas visitas. Como elas me fazem bem”.

No dia seguinte em sua casa apareci. Uma semana depois voltei. Fiz-me ausente um mês inteiro. Dois meses depois fui informado da morte do amigo Pedro.

Uma semana depois do seu passamento pensei cá comigo. Não deveria ter deixado passar tanto tempo. A morte do amigo Pedro alertou-me que não se deve, na idade em que estamos, deixar pra depois a saudade que sentimos. As boas amizades que fizemos em vida. O amor que sentimos e não manifestamos todo o carinho pela pessoa amada. Na hora certa. No dia exato. Antes que seja tarde enquanto a saudade durar.

 

 

 

 

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