Nem sempre querer é poder.
Muitas vezes desejamos muito e não conseguimos o que queremos.
Eu mesmo já desejei abraçar o mundo com minhas mãos. Mas elas eram pequenas demais para satisfazerem a minha vontade.
Já quis ganhar, em menino, aquele presente tão desejado. Mas não me fizeram de regalo aquela raquete de tênis que tanto gostaria de usar nas partidas ao lado do meu pai quando com ele disputava partidas aguerridas em tempos que se perdem na distância da minha juventude perdida há mais de incontáveis anos.
Já desejei muito, e ainda quero, já que eles se foram há tempos idos, ter ainda meus pais ao meu lado. Hoje eles mudaram de endereço. Não mais moram naquela mesma casa, daquela mesma rua, que daqui se avista a mão esquerda.
Já gostei muito de andar de patinete. Hoje não sei aonde ela se encontra. Quem sabe onde ela está, por favor, me diga. Vou escarafunchar meu baú de guardados. Quem sabe no meu passado ela se encontra perdida.
Como fazia calor naquela manhã de setembro começo da primavera. O sol incendiava a azulice do céu. O azul, timidozinho, mal se deixava ver.
Amanheceu de uma quentura de frigir ovos no asfalto. A temperatura subia às alturas das nuvens. Que se abanavam todinhas com um ventinho fresquinho que assoprava de um ventilador esquecido por algum calorento que ali o deixou.
Zé Preguiça esfregava seus olhinhos tentando afugentar sono naquela hora em que ainda as corujas tentam caçar suas presas girando o pescoço curto em cima do cupim.
Quem diz que ele gosta do trabalho se equivoca. Não é à toa que o chamam de Zé Preguiça. Vagabundo talvez seja melhor epíteto.
Zé acorda mais cedinho para ficar mais tempo sem fazer nada. Ganha a vida fazendo catiras. Ora leva manta outra hora fica no lucro.
Dizem, nos arrabaldes, que o Zé nunca trabalhou de verdade. Pula de emprego a outro sem paranca. Tão logo o mandam embora ele se encosta nas benesses da previdência. Sua carteira de trabalho tem mais assinaturas que hora de trabalho duro. Zé sempre diz, quando tirando uma sonequinha depois do almoço: “ah! Já trabalhei muito. Agora só penso em dar trabalho aquelas que cuidam de mim.”
E não é que o danadinho tem muitas onde se encostar? A última foi a dona Margarida. Uma beata igrejeira que lhe deu guarida. Que até hoje renega a besteira que fez. Zé, depois de um ano vivendo as suas custas ainda lhe custou uma boa grana depois da separação.
Pra Zé Preguiça não tem tempo pior que acordar bem cedinho. Dorme como um capado obeso. Levanta excomungando o novo dia. Pragueja só de ouvir falar em trabalho.
Sábio ditado que diz e escreve por liinhas retas: “o sol nasceu pra todos”.
“Pra mim não! Prefiro sombra e água fresca”. Diz o afortunado sem fortuna Zé.
Aquela segunda feira de setembro amanheceu de sol a supino. Um calor de fazer ventilador se unir em matrimônio ao ar condicionado.
Zé, como de sempre, nada queria com o trabalho. Eram inimigos figadais de fazer o fígado vomitar só de pensar em álcool.
Foi quando nos encontramos. Já era tarde pra mim e cedo pra ele.
O dia já havia começado desde muitas horas. Mas pro Zé Preguiça já estava terminando.
“Zé! Acorda preguiçoso. O sol já acordou faz um tempão. E ele nasceu pra todos. Até pra você”.
Zé, esfregando os olhinhos tortos de sono me respondeu sem nada querer com a vida boa que levava: “ah! Posso ficar na sombra né”?
E acabou dormindo de novo.