Por vezes o silêncio fala mais alto que mil palavras.
Assim como é melhor ficar calado a dizer palavras sem sentido.
De bocas fechadas não saem impropérios. Muito menos coisas e loisas que a gente não gostaria de dizer. Tenho dito, ou melhor, deixei escrito.
Aquilo que vai escrito o vento não leva. Já palavras soltas ao vento avoam pra longe.
Dona Dorotéia, uma veinha falastrona. Consorciada com seu Demétrio. Veinho calado e contido nas palavras. Eram ajuntados desde tempos idos.
Nunca se casaram de papel amassado. Mas de tanto tempo juntos assim se consideravam.
Eles não se deram filhos. Viviam sozinhos naquela rocinha erma. Eram felizes nos primórdios do ajuntamento. Era um pelo outro. Não se desgrudavam nem a hora da missa.
Assentavam-se no mesmo banco da pracinha da comunidade. Tudo começou no rela do jardim.
Dona Dorotéia até que era bem formosa quando mocinha. Cabelos negros como urubu depois de um banho no asfalto frio. Cinturinha de viola sem uns quilinhos a mais como se pode ver agora. Boquinha pequenininha sempre abatonzada que nunca se recusava a ser beijada. Pezinhos que calçavam um número a menos que trinta e um cadinho. Pele lisinha como pêssego a ser colhido antes de madurar. Tudo nela era lindo como asas de borboleta azul tinta em amarelo ouro.
Dona Dorotéia sempre teve um defeito. Incontida nas palavras desde quando se viu mulher. Em criança já falava pelos tornozelos. Seu apelido era maritaca da perna chata. Por causa de quê? Podem me perguntar.
Acontece que, naqueles tempos idos, a menina Dorotéia tinha mania de tentar avoar. Subia na jabuticabeira usando uma roupa verdinha. Cantava, ou melhor, grasnava como uma maritaca. Fazia da sua boca bico. Tal e qual uma maritaca em bando avoando aos céus adonde gostaria de chegar.
Já seu amado Demétrio sempre foi caladão. Módico em usar palavras era tido como mão de vaca fechada até na hora de falar.
Mas, segundo as bocas falantes do lugar, eles até que se davam bem nos primeiros tempos de união. Mas tudo degringolou nos tempos de agora.
Enquanto dona Dorotéia falava seu Demétrio ficava calado.
“Pra que falar tanto se ela fala por mim?” Eram as poucas palavras que se ouvia dele. Depois seu Demétrio emudecia de vez.
Aquela relação de tantos anos começava a azedar. Como viviam apenas os dois dona Dorotéia não tinha com quem prosear.
A principio ela falava e seu Demétrio fingia ouvir. Depois se descobriu que ele usava um tapa ouvidos para não escutar a prosa ruim da dona Dorotéia. E ai então tudo o que era mais ou menos foi piorando. Até não suportarem mais a presença um do outro.
Mas, a separação, naquela altura da contravenção, não seria um bom caminho. Eles dois, separados, cada um pro seu lado, não teriam como nem onde viver sossegados. E tinham de aguentar mais um tempinho juntinhos. Até que a morte os separasse de vez pra sempre.
Até quando por ali passei. Era um final de semana de primavera seca e ensolarada. O dia foi num sábado passado.
Já sabia das desavenças do casal. E gostaria de atenuar essas malquerenças.
Foi feito um acórdão.
Foi proposto à dupla de dois o seguinte. Acordo feito em contrato, assinado no cartório dos aflitos, com apenas uma testemunha, que por acaso de um descaso era eu.
Na intenção de apaziguar tanto a dona Dorotéia como seu Demétrio ficou acertado.
Quando a dona Dorotéia começava a matraquear seu Demétrio simplesmente dizia: “não precisa dizer mais nada”.
E terminava a pendenga. Cada um pro seu canto. Sem desencantos e nada mais.