Nunca fui de procurar doenças.
Um dia elas chegam. De mansinho, sem se fazer esperar, atabalhoadamente. Inconsequentemente elas se aboletam na gente. Indiferentemente se somos jovens ou anciões. Meninos ou meninas as doenças não se apiedam de nós.
Elas tanto podem se graves ou doencinhas marotas como as tais gripezinhas que se confundem aos resfriados. Também, com esse secume do tempo. Com a falta de chuva que não tem caído desde tempos idos. Quem ainda não teve a incomodá-lo uma tossezinha seca. Um espirro que faz avoar pra longe quem está do lado. E como tenho visto pessoas usando máscaras tapando a boca deixando as narinas de fora. Puro desperdício de tempo. Melhor se vacinar contra a tal influenza. Mais conhecida como gripe. Embora já tenha feito de pouco adiantou. Continuo com os mesmos sintomas. Um espirrozinho aqui. Uma tossezinha acolá. Nada que me faça ficar em casa. Ou que me impeça de vir aqui. Na minha escrevinhança matutina.
Antes de continuar esse escrito, gostaria de deixar nesse parágrafo toda a minha admiração as pessoinhas que sem elas nada seríamos. Dia trinta de setembro celebra-se o dia das secretárias. Notáveis e essenciais colaboradoras em nosso metier.
Mas de volta ao assunto propriamente dito vamos ao que interessa.
Nunca fui de procurar doenças. Como médico confesso-me relapso em tratar da minha saúde.
Doenças, fujo delas como o diabo se benze ao se dar com uma cruz.
Exames nem me lembro de quando os fiz. Quando aqui aparece um infeliz que deseja fazer um check-up. Levo o tal à sala de exames. Faço o toque sem retoque ou maquiagem. De volta a onde estou. Cuido de tranquilizar o paciente dizendo que ele não carece de fazer exames. Que está tudo bem ou mal. Tudo vai depender de como ele vai aceitar minha observação. Se bem ele volta. Se mal o tal sujeito vai procurar outro. Entendam o meu propósito. Tenho por mim que um bom médico deve faze um exame físico minucioso. E uma anamnese bem interrogativa. Para só depois emitir o seu diagnóstico. Que pode ser errado ou certo. Mas não me digam que eu pequei por falta e não por excesso de zelo.
Já passou por aqui uma senhora que tinha a mania de fazer exames.
Dona Dorotéia era uma hipocondríaca de berço.
Elazinha nasceu com mania de doenças. Aos dois aninhos não saia do consultório do pediatra. Quando sua mãezinha não a levava ela fazia birra.
Fazia questão de ser examinada da cabeça aos pezinhos. E se o médico das crianças não requisitasse exames elazinha ia a outro.
Durante toda a sua vidinha Doroteiazinha não passava um dia sequer sem ir ao médico. Ainda bem que ela tinha um bom plano de saúde…
E quando o tal doutor não lhe pedia exames ela procurava fazer por sua conta e risco.
Suas veias não aguentavam mais receber tantas picadas. Pra mim o fim da picada.
Foi no mês passado que ela passou por aqui. Aquela consulta chata que durava quase a manhã inteira. E ela já trazia na algibeira um pacote de exames que enchiam o tampo da minha mesa sem caber nem uma caneta mais.
E como dona Dorotéia gostava de se queixar. A principio falou da sua dor no andar de baixo que irradiava ao andar de cima. O seu pescoço ficava duro sem poder se mexer. Não podia fazer sexo com seu marido por que ele não queria. Dizia ela que era por causa de um cheiro de bacalhau que não era dela e sim dele.
Já havia dito a ela que com ela estava tudo nos conformes. Mas quem diz que ela concordava comigo. Fazia questão de fazer novos exames. De procurar doenças que ela pensava ter de verdade e não de mentirinha.
Foi no mês passado que ela retornou à consulta. Trazendo novos exames que ela tinha feito as suas custas.
Um desses exames mostrou uma enfermidade novinha. Pra mim não tão nova. Mais velha que a serra que daqui se deixa ver.
Um exame de imagens, uma cintilografia do corpo inteiro acabou acusando, além da osteoporose, bico de maritaca, coluna torta pro lado esquerdo. E outros detalhes velhos conhecidos naquela idade provecta.
E como foi difícil explicar à dona Dorotéia que tudo aquilo era quase normal na sua idade.
Bastava, pra ser curada, um cadinho de exercício. Um comprimidinho de cálcio nas refeições e tomar bastante sol nas horas convenientes. Fazer fisioterapia de vez em sempre.
Mas dona Dorotéia não se sentiu satisfeita. Saiu da minha sala dizendo que iria a outro médico procurar novas doenças.
Secretárias, não sei o seria da gente sem vocês na outra sala. A espera de mais pacientes como a dona Dorotéia.