Chega um dia…

Não seria possível contar dias, horas, minutos, segundos, desde quando aqui apareci.

Anos seria mais fácil.  Recordações me assediam. Foi no ano de um mil novecentos e quarenta e nove que descobri o mundo pela primeira vez. Precisamente no dia sete de dezembro. Não aqui nessa cidade que considero minha e daqueles que amam a nossa querida Lavras. Terra tida dos ipês e das escolas. A florada dos ipês quase já se despediu. As escolas moram em cada esquina. Felizmente elas não irão terminar nunca.  Já que os estudantes são quase a maioria em nossa comunidade. Basta abrir os olhos e ver como aquelas figurinhas graciosas nos lembram que nossa juventude já se foi há tempos idos.

Dias passarinham. Meses se sucedem dia após dia. Não se pode nem deve postergar a passagem do tempo. Ele escorre inconsequente por entre nossos dedos. Em algum tempo não estaremos mais aqui. Não quero adivinhar o dia nem hora. Menos ainda o mês em que irei desaparecer.

Chegamos a um dia quando toda beleza vai sumir de nossa visão. É quando nossos olhos se turvam à beleza da vida. E eles passam a ver apenas tristeza. Já que a felicidade nos disse adeus e não até breve.

Chega-se a um dia quando a gente não pode fazer o que gosta. E passamos a viver cercado apenas e tão somente de desgostos e desilusões.

Vem o dia em que a velhice nos pede carona. E, se não damos mesmo assim ela entra em nosso corpo cansado. E nos faz alquebrar ao peso da nossa idade.  Quando nem caminhar podemos mais.

Chega um dia, minutos e horas se sucedem. Quando tudo que queremos não mais depende de nós. Já que tudo que tínhamos foi deixado aos nossos filhos. Que deram de presente aos nossos netos a casa onde moramos.  Aquela linda chácara onde passarinhos eram criados soltos. Onde no nosso pomar frutas podiam ser degustadas quando maduras e bem docinhas.

Chega o dia da nossa despedida. Não de uma viagem de retorno previsível. E sim outra sem data conhecida para voltar. Já que até agora desconheço se tem outra vida depois dessa. E não pretendo nem quero saber ainda qual dia e hora será.

Enfim vai chegar a hora de dizer adeus. Não vai ser na rodoviária pegando o busão numa viagem de férias. Nessa hora e nesse dia espero que guardem saudades de mim. Mas de nada adianta chorar ao derredor do meu caixão. Se querem dizer o quando gostam de mim que o façam enquanto eu possa ouvir. Depois de morto não mais ouvirei. Nem irei enxergar lágrimas sentidas escorrendo pelo canto dos olhos de quem me pranteia.

Um dia vai chegar a hora. Nessa hora meu relógio não vai parar.  Meus olhos vão estar cerrados. Meu coração vai parar de tiquetaquear.

Chega um momento que estarei cego, surdo e mudo aos reclames de vocês.  E de nada adianta reclamarem se eu não lhes dei atenção. Talvez seja por uma desatenção minha já que me encontrava muito ocupado. Tentando resolver um problema que não era meu e sim de vocês mesmos.

Chega um tempo que terei todo o tempo do mundo para descansar dessa vida dura que tenho levado. Sem um minuto para um descanso. Cuidando de vocês meus filhos. Trocando suas fraldas quando vocês nem tempo têm de trocar as minhas.

Chega um tempo, precioso esse. Que terei tempo para mim mesmo. De cuidar das flores que enfeitam o meu jardim. De passear meus cães pela pracinha. De  dar comida aos passarinhos.

Tomara chegue logo esse tempo. Que não retarde tanto. Que eu possa redescobrir os encantos da vida enquanto vivo. Pois depois de morto nada mais verei.

Chega um dia em que não mais poderei abraçar vocês. Já que meus braços vão estar contidos dentro do caixão. Sem poder se mexer ou dar um simples abraço.

Vai chegar um dia quando, numa manhã tão linda de primavera como essa. Com o sol teimando em entra pela minha janela. Que não mais poderei abaixar as folhas das persianas. E deixar escrito nesse computador sofredor tudo que me corrói as entranhas.

E, quando chegar o meu dia. Que não seja num dia lindo como esse. Já tenho o dia e hora marcados no meu calendário.

A data já está escolhida.  A hora ainda indefinida. O minuto vai ser postergado.

O dia da minha partida, àquele lugar incerto. Tomara seja num trinta e um de fevereiro. Ano desconhecido. Hora incerta e minutos indefinidos.

Mas sei que vai chegar meu dia. Pena que não possa deixar escrito nem dito quando vai ser. Melhor assim…

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